DUMOURIEZ - O AMOROSO (
Ubireval Alencar)
Uma família de prósperos
pecuaristas de Major Isidoro (antigo Sertãozinho), Sr. Antônio Ildefonso
Silva Amaral e D. Etelvina Monteiro, fecundaram os filhos Expedito, Duda, Vera,
Antônio e Dumouriez. O moço de privilegiada inteligência nascia
(04.06.1912) para contemplar as verdades filosóficas e sobre elas
debruçar-se por toda sua vida. Sacerdotes intuitivos da prelazia logo
encaminharam Dumouriez para estudos secundários no Seminário da Imaculada
Conceição, Várzea, Recife-Pe. Findo o segundo grau, todo seminarista
naquela época teria que cursar dois anos de filosofia e mais quatro anos de
teologia.
O precoce estudante é
escolhido para estudar sequencialmente em duas universidades da Europa, onde as
aulas eram ministradas exclusivamente em latim, uma vez que o latim era língua
oficial durante a missa e havia também estudantes de outros países aí
concorrendo. Por isso, somente candidatos de inteligência privilegiada eram
selecionados às universidades no exterior. Segundo Sebastiãozinho, e
apontamentos de Florinha, de acordo com relatos de seu pai, Dumouriez
segue em 1929 para o Seminário Superior de Aix, em Provence, França, em cuja
língua Dumouriez já se comunicava, além do espanhol, latim e estudos do grego.
De 1931 a 1935 transfere-se para a
conhecida Universidade Gregoriana, em Roma, onde cursa Teologia Dogmática.
Todos os passos foram galgados pelo estudioso seminarista e, aos vinte e
três anos de idade, mediante autorização especial da Santa Sé, o filho
de Major Isidoro complementa seus estudos de filosofia e teologia dogmática,
sendo ordenado sacerdote no viço da idade (28.10.1935), consagração e
celebração da primeira missa sacerdotal em Roma.
Mata Grande teve o privilégio
de acolhê-lo, já habituado ao frio europeu, por ser clima mais agradável. O
brilhantismo e argumentação de ideias, objetivando a formação cristã, logo
causa fama e interesse dos paroquianos (as) mais atentos ao novo vigário. As
famílias matagrandenses sempre foram de notório sentimento cristão, e por
vezes recheado de sentimentalismo religioso como culto e devoção a
imagens, títulos de irmandades, procissões, estereótipos desnecessários à
adoração de um Senhor e Deus.
Como em toda
agremiação/associação afim, havia predominantemente moças e grande número de
senhoras dedicadas aos serviços da igreja, leais colaboradoras da
paróquia, que até recebiam epítetos de "beatas". Dentre elas, Maria
de Lourdes Malta, uma das filhas do segundo casamento de João Gomes Malta de Sá
com Manuela
Albuquerque (tia Nelinha), assim relembrados: Zoraide, Homero, Carminha,
Rosalva, Aída, João Malta (Jari), Célia e Gerusa. Havia outros irmãos por
parte de pai de casamento anterior (e foram duas irmãs sucessivamente casadas
com o mesmo João Gomes Malta Sá): Antonino, Gentil, Mariquita, Eustáquio e
Deusdete. Uma linda geração, mas que imbróglio mais tarde daria!
A jovem Maria de Lourdes era
das mais piedosas e assíduas aos ritos religiosos da paróquia. Compenetra-se da
fé no desejo de servir mais próxima ao novo e atraente sacerdote, cuja
visão atingiria mais longe os desígnios de Deus. E o belo sacerdote termina por
compreender que o amor a Deus também poderia se realizar dentro da vivência de
uma família. A jovem devota sucumbe aos ensinamentos, deixa-se encantar pelo
homem e padre que viria a constituir parte íntima de sua família. Um escândalo
na época (e "moça de família"), assim diziam os simplórios e
de línguas ferinas. E o amor humano que se pode conjugar ao amor
divino frutificou, calou línguas endiabradas até entre familiares, e os novos
amantes/parceiros vieram a dar testemunho ao mundo de que os céus escrevem
certo por linhas aparentemente tortas.
O inteligente sacerdote e
agora esposo logo se desincompatibiliza dos encargos e funções sacerdotais,
presta concurso público para Oficial do Registro Civil, passando a exercer suas
atividades em Mata Grande, num casarão defronte à Matriz. Mas o novo casal jamais
renunciaria à fé, aos princípios elevados em que se formara. Vivendo a
nova atmosfera de "pombinhos", sempre dando "Graças a
Deus", um refrão que consagraria toda vida o nobre sacerdote e
companheiro. Dessa singular união vieram ao mundo Sebastião, José Jorge e César.
O inquieto e competente homem
público logo investe na carreira jurídica, e já bacharel em Direito presta
novo concurso público, vindo a exercer a Magistratura no Estado até sua
aposentadoria. D. Lourdes não apenas esposou um homem de fé, um cidadão de
competência em Ofícios Públicos, mas ganhou o melhor do ser humano: a nobreza
de uma vida a dois, o olhar benfazejo, a retidão em todos os passos de vida
particular e pública. Dumouriez fazia um bem enorme aos que se lhe achegavam. -
"Está bem você? Graças a Deus". Era seu bordão de amizade, de início
e fim de conversa. E demoraram-se anos, com filhos já crescidos, para que
um pedido de licença especial de casamento que Dumouriez havia requerido à
Santa Sé fosse deliberado. Na cidade de Palmeira dos Índios, já no exercício do
cargo de Juiz em comarca próxima, o casal recebe as bênçãos nupciais
concelebrando um encontro, um desejo e uma realização sonhada.
Tive a honra de privar da
amizade com Dr. Dumouriez, em raros e curtos encontros, e cada vez mais me
certificava da luminosidade da inteligência, do selo do eterno sacerdote
("Tu es sacerdos in aeternum") cujo carisma jamais iria desaparecer.
Mas é chegado o OUTONO DO PATRIARCA, sendo pai e avô, e como todo rejuvenescer
da idade maior, nos intervalos de vigilância e cuidados de D. Lourdes
(sobretudo vivendo em Maceió e com ocupações dela no Cartório em Mata Grande),
uma agradável secretária do lar em Maceió concebe mais um filho -
Antônio, alto como o pai, que trouxe consigo o carimbo da elegância
paterna, de olhar alongado sobre as pessoas. Pós turbilhão inicial, o garoto
foi recebido e acolhido pela família, hoje um jovem pré-universitário.
Há pessoas que vêm a esse
mundo para deixar registros modelares, quebrar preconceitos e nos ensinar que a
vida é o bem e valor que cada um lhe concebe. Está aí. Uma geração de filhos
que tiveram incursões na política, Sebastião (vereador) Jose Jorge (vereador,
prefeito), Cesar (deputado em mais de uma legislatura). Samyr Malta, neto de
Dumouriez, retoma os passos da família, e se elege pela segunda vez, agora com
pleito em Maceió (2016).
Esse é o preito de gratidão ao
homem, ao sacerdote e magistrado, e pai de família, sobretudo. Num último
colóquio que tivemos em Maceió, eu lhe antecipara a inspiração do título da
crônica que faria (DUMOURIEZ - O AMOROSO), e ele me pedira que desse tempo ao
tempo, julgando-se fragilizado ante as intempéries da existência. Que nota
relevante da humildade dos grandes homens, abstendo-se da louvação enquanto
vivo. Tive, por fim, a primazia de ter sido batizado e ungido por
suas mãos na pia batismal de Mata Grande, nos idos de 1944. Trago, agora, em
"BANDEJA DO TEMPO" a promessa que lhe fizera ainda em vida.
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