IVONE BARBOSA - ÚLTIMO CANTO
DA COTOVIA - Ubireval Alencar
"ALÔ, COTOVIA!
AONDE VOASTE?
POR ONDE ANDASTE?
QUE SAUDADES ME
DEIXASTE?"
(Manuel Bandeira, poeta).
Ela nasceu cotovia. Tinha na
sua genética o canto como alimento e sobrevivência. Bem antes que sua
família-coral despontasse, Ivone já prenunciava o canto, e o entoava nas manhas
de afazeres domésticos, no casarão comprido do seu Antônio Barbosa/Dona Dalva,
lá na rua da Cruz. Lá do Alto, tínhamos a vista de todos os alpendres das casas
voltadas para as ribanceiras ainda não habitadas/construídas.
E era nessas manhãs de férias
do Colégio que eu aprendi a ouvir as canções ensaiadas pela Ivone. Uma família
de afinados cantores (bem depois é que ganhariam notoriedade José Adalto, Ivan,
Adeilton, e o cantor reputado nacionalmente Beto Barbosa).
Em meio a tantas canções,
sempre com os acordes do tema AMOR, Ivone não omitia sua canção-tema
referida:
"Hoje que a noite está
calma
E que minha alma esperava por
ti
Apareceste afinal,
Torturando esse ser que te
adora
Volta, fica comigo..."
Era a imagem viva da eterna e
sonhadora cotovia nas manhãs suaves e frias de Mata Grande. Os demais irmãos
devem ter despertado para a musicalidade a partir desses prenúncios cantantes.
Mas os anos a avançaram, e cada
cantor na Família Barbosa foi escolhendo seus espaços e constituindo famílias
novas. Ivone se casa com Antônio Gonzaga e concebe três filhos: Yteógenes,
Airton, Aline. O coração largo de mãe não se dá por contente. Pertencia a
uma verdadeira dinastia, de numerosos e incontáveis irmãos. Graciele e João
Paulo são os filhos do coração estendido. Chegou a ver a felicidade dos netos Adriele,
Danilo, Yuri e Yasmin.
Como bem acentuou o poeta
pernambucano,
"Aonde voaste... ( e
quantas Saudades (nos) deixaste?"
Ivone compunha a vida no
sentimento. Dele se alimentava e, como espasmos frutíferos, servia de
condimentos a todos os revezes ou torpezas que a vida infausta lhe
desferia. Mas dores continuadas e silêncios amargos do abandono e desprezo lhe
tributaram o primeiro infarto. Mais um derrame lhe deixou sequelas
irrecuperáveis. O coração e os olhos não deixaram de cantarolar o amor, o
perpétuo desejo de uma vida feliz. E assim assobiou suas melodias até seu
último canto.
Nesse momento, Ivone já
integra o Coral dos Serafins, entoando Hosanas ao Filho de Davi. Viveu na terra
a Cotovia de paz, a mulher, mãe e avó extremada. Recebe nas alturas a coroa dos
justos e seu galardão. Com certeza harpas e cornetas angelicais a receberam na
eternidade dos grandes amantes da terra.
Mas a cotovia até hoje nos faz falta. Cantava sem parar.Uma cigarra anunciando os estios, ora a fartura de frutos da estação.IVONE, qual cigarra ultimando sua temporada de canto, deverá ter ressecado em algum pé de goiabeira ou jasmineiro, silenciando nas manhãs de Mata Grande. Encerrou o ciclo da estação do canto, alimento e anestésico de suas dores do Tempo, partindo a cotovia humana para a estação dos páramos celestiais.
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