HISTÓRIAS DE CAPA GATO - Crônica de uma mudança de vida.
Por José Ferreira da Silva
O ano de 1969 foi um intervalo de tempo manifestamente atípico em minha
vida, pelas mudanças inopinadas acontecidas. Para que se tenha uma ideia, o
tempo decorrido entre a minha saída do Serviço de Extensão Rural e a posse no
BNB, Fortaleza, foi de apenas 5 dias, uma mudança notoriamente drástica; na
quinta feira pedi demissão da ANCAR, no domingo viajei de avião pela primeira
vez (um quadrimotor da VASP, cujo barulho mais parecia o de um terremoto, ou
mais precisamente de um tsunami); caprichosamente bem vestido (era assim que se
viajava de avião naquela época), mais parecendo um magnata, foi assim que
viajei.
Consegui sobreviver, apesar de ter tido muito medo e de ter ficado
"moco" durante uns três dias - foi uma experiência inesquecível,
porquanto até hoje ainda me lembro de cada susto que passei naqueles momentos;
compreensivelmente, o meu comportamento não poderia ser diferente do de um
"marinheiro de primeira viagem". Sim, que fique bem claro isso,
aquela foi a minha primeira viagem de avião.
Confortava-me, no entanto, o convencimento de que estava passando por
uma provação, tendo em vista as minhas dúvidas quanto aos meus merecimentos
diante de Deus. Tudo aconteceu de repente, e o melhor ainda estava para vir. Na
segunda feira tomei posse na Direção Geral, seguindo-se, após, um curso de 30
dias, e um estágio prático na Agência de Maceió sob a importante coordenação do
colega ANANIAS RODRIGUES DE SOUZA NETO.
Depois disso, "entrei na real" com a minha nomeação para
Agência de Mata Grande, a qual, por conhecidas perturbações administrativas que
tivera, estava atravessando momentos dificílimos; era, portanto, uma das
agências mais problemáticas, com um número assustador de operações irregulares.
Naquele tempo, com a classificação que obtivera no concurso, poderia ter
sido nomeado para uma agência mais bem situada, por exemplo, Maceió, onde havia
uma vaga; isso, no entanto, não aconteceu, tendo em vista o olhar dos
Administradores que enxergava os interesses maiores do Banco como empresa,
decisão da qual nunca discordei.
Assim, considerando que a agência do BNB-Mata Grande, naquele momento
não possuindo ninguém na área de fiscalização, indiscutivelmente apresentava-se
como prioridade e aquele seria o momento de atender aquela premente demanda.
Destarte, fui nomeado para Mata Grande sem nenhuma objeção de minha parte, pelo
contrário, reconhecendo ser uma honra o nível de confiança em mim creditado.
Seria ali, portanto, a obtenção de uma das maiores contribuições à minha
formação profissional como técnico e como pessoa.
Mata Grande, situada na Região Serrana de Alagoas, de beleza notória e
clima frio e gostoso, esperava-me para o cumprimento do meu desafio sem par.
Para lá viajei em um caminhão carregado com a minha bagagem, saindo de
Arapiraca (cidade da minha residência temporária) no início de uma noite
memorável. Durante o percurso, quase cindo horas de viagem em estrada de barro,
minha mente percorreu um universo composto de pensamentos ecléticos, mas
pautados positivamente na minha vontade fazer o melhor. E assim, como diria
Luiz de Camões, "viajei por mares nunca dantes navegados” em uma noite que
arquivei no meu acervo de lembranças permanentes. E todas as minhas
interrogações no mundo subjetivo da mente eram plausíveis, porquanto à minha
frente postavam-se as incertezas.
Na novel situação, já nos primeiros dias, dar-se-ia a fixação da minha
boa impressão sobre o ambiente de trabalho, notadamente o espírito de
companheirismo dos novéis colegas. Apesar da minha condição de neófito, isso,
determinante do meu comportamento de certo modo desconfiado, fui aos poucos
conhecendo as pessoas e fazendo as minhas amizades. E assim imbuído das minhas
convicções, inteirado, respeitando a clientela e o cidadão, consegui realizar o
meu trabalho a contento à expectativa dos compromissos com o BNB. Muitas
situações complicadas aconteceram comigo, algumas boas, outras, nem tanto, mas,
graças a Deus, sempre nos limites das minhas possibilidades. Meus sentimentos e
posições naqueles momentos singulares estariam perfeitamente enquadrados em um
dos versos da mais famosa música de Almir Sater, TOCANDO EM FRENTE:
“Penso que cumprir a vida seja simplesmente
Compreender a marcha e ir tocando em frente
Como um velho boiadeiro levando a boiada
Eu vou tocando dias pela longa estrada eu vou
Estrada eu sou”.
O enfrentamento das primeiras missões não foi fácil, tendo em vista que
eu, além de não possuir carro, não conhecia as pessoas e a região. Eis que,
para minha felicidade, foi escolhido para andar comigo uma pessoa de alta
qualificação pessoal, o qual, ao longo do tempo, provou ser merecedora da minha
mais absoluta confiança. Sebastião Pereira de Oliveira, seu nome formal, ou
"Véio Sé", como nós o chamávamos na intimidade, era cabra de fé, um
homem com um "H" bem grande, à altura dos seus merecimentos. Entre
tantos adjetivos inerentes às qualidades deste grande cidadão, destacaria:
amigo, comedido e audaz. Enfim, andar com o "Véio Sé" (e o fiz
durante quase dois anos), digo com toda convicção que me é permitida, era mais
tranquilo do que andar com um exército de seguranças. Enfrentamos muitas
situações de extremo risco, algumas, diferentemente, engraçadas.
E assim, focado na premissa de que o TEMPO PASSA, percorri a “longa
estrada” que durou seis anos e meio, experimentei “o sabor das massas e das
maçãs", fixei o entendimento de que: “é preciso amor para poder pulsar, é
preciso paz para poder sorrir”, mas, para tudo isso, “é preciso a chuva para
florir”.