ANTONIETA MACEDO - UMA VIDA NO ANONIMATO DE SI MESMA.
Morava numa casa cujo acesso
tinha degraus elevados e de testa para o sol durante as tardes, e quase vizinha
de frente à LOJA DO SEU VIDA.
Filha da geração de seu ZÉ
MACEDO e mais D. Nazaré Feitosa, Teresinha, Julinha e Milton. Dois filhos de
Julinha, Geraldo e Eraldo, compunham toda ocupação do estreito, mas comprido casarão,
quase ao lado da Prefeitura Municipal.
Essa família específica viveu
a torrente e consequências das trovoadas que desabavam de tempos em tempos. Seu
Zé Macedo foi salvo num desses revezes climáticos já naufragando no meio da
rua, mas agarrando-se firme à maleta que segredava suas economias.
Mata grande dispunha de excelentes
costureiras à época, e as moças sem instrução média ou superior davam-se a esse
ofício do ganhar pão. Antonieta fez-se
especialista no corte de tecidos presentes na LOJA: os de algodão, os de seda e
os de cáqui mais apropriados para roupas masculinas. Uma vida inteira naquela
devoção nos dois horários. Com o movimento redobrado aos sábados, onde
feirantes acorriam em grande número, a LOJA de Tecidos exigia a presença da D.
Lenita, esposa de Seu Vida, também empenhado no bom atendimento. Em dias
invernosos ou no período de estiagem, havia escassos fregueses, e Antonieta
dedilhava as agulhas do crochê, na confecção de blusas e casacos de lã feitos
sob encomenda particular.
A juventude de hoje desconhece
essas mesuras, por não imaginar que o hábitat local não tinha acesso a roupas prontas, camisas ou
calças masculinas , ou blusas e vestidos
para mulheres. Tudo era trabalho manufaturado por exímias costureiras. Em
nenhum outro momento se viam as mãos e rosto da devotada funcionária, exceto na
missa dominical pela manhã. Católica fervorosa, Antonieta compungia-se durante
a celebração. Que pedidos impetraria aquela moça de um silêncio de vida? Nenhum namorado, marido ou amante
bateu à porta da casa de seu Zé Macedo.
Transformou o silêncio
habitual do trabalho num segundo ambiente conventual. Antonieta vivia ali seu
rito de monastério, dedicação e responsabilidade. Cabelos curtos e negros ou caindo
ao ombro, recompunha seu véu de preservação de vida, dignidade, inteira
confiança nas chaves das gavetas, que eram os cofres da época.
Seu Vida e D. Lenita podiam
viajar para tratamento de saúde e Antonieta granjeava a tutela de responsabilidade
da Loja. Vivia a condição de mulher no total anonimato. Desprovida de vaidades,
nela não se viam unhas pintadas ou lábios com batom. E se mantinha com a dignidade e caráter
próprio das virgens que certamente seriam aceitas numa vida de clausura. Viveu
feliz? Tal qual Maria lá na humildade de
Nazaré, Antonieta gestou a presença de
Deus na sua fé, no enredo anódino da existência.
Antonieta chegou ao mundo em
silencioso trabalho, e dele partiu sem qualquer mácula na vida pessoal. Dispensa
coroas de santidade, mas tem em sua lápide as gravuras de um ser digno em
nossas mentes memoriáveis (U. Alencar).
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