quarta-feira, 1 de março de 2017

ANTONIETA MACEDO - Ubireval Alencar



ANTONIETA MACEDO -  UMA VIDA NO ANONIMATO DE SI MESMA.           



Morava numa casa cujo acesso tinha degraus elevados e de testa para o sol durante as tardes, e quase vizinha de frente à LOJA DO SEU VIDA. 
       

Filha da geração de seu ZÉ MACEDO e mais D. Nazaré Feitosa, Teresinha, Julinha e Milton. Dois filhos de Julinha, Geraldo e Eraldo, compunham toda ocupação do estreito, mas comprido casarão, quase ao lado da Prefeitura Municipal.    
      

Essa família específica viveu a torrente e consequências das trovoadas que desabavam de tempos em tempos. Seu Zé Macedo foi salvo num desses revezes climáticos já naufragando no meio da rua, mas agarrando-se firme à maleta que segredava suas economias.    


Mata grande dispunha de excelentes costureiras à época, e as moças sem instrução média ou superior davam-se a esse ofício do ganhar pão.  Antonieta fez-se especialista no corte de tecidos presentes na LOJA: os de algodão, os de seda e os de cáqui mais apropriados para roupas masculinas. Uma vida inteira naquela devoção nos dois horários. Com o movimento redobrado aos sábados, onde feirantes acorriam em grande número, a LOJA de Tecidos exigia a presença da D. Lenita, esposa de Seu Vida, também empenhado no bom atendimento. Em dias invernosos ou no período de estiagem, havia escassos fregueses, e Antonieta dedilhava as agulhas do crochê, na confecção de blusas e casacos de lã feitos sob encomenda particular. 
             

A juventude de hoje desconhece essas mesuras, por não imaginar que o hábitat local não  tinha acesso a roupas prontas, camisas ou calças  masculinas , ou blusas e vestidos para mulheres. Tudo era trabalho manufaturado por exímias costureiras. Em nenhum outro momento se viam as mãos e rosto da devotada funcionária, exceto na missa dominical pela manhã. Católica fervorosa, Antonieta compungia-se durante a celebração. Que pedidos impetraria aquela moça de um silêncio   de vida? Nenhum namorado, marido ou amante bateu à porta da casa de seu Zé Macedo.


Transformou o silêncio habitual do trabalho num segundo ambiente conventual. Antonieta vivia ali seu rito de monastério, dedicação e responsabilidade. Cabelos curtos e negros ou caindo ao ombro, recompunha seu véu de preservação de vida, dignidade, inteira confiança nas chaves das gavetas, que eram os cofres da época.    
       

Seu Vida e D. Lenita podiam viajar para tratamento de saúde e Antonieta granjeava a tutela de responsabilidade da Loja. Vivia a condição de mulher no total anonimato. Desprovida de vaidades, nela não se viam unhas pintadas ou lábios com batom.  E se mantinha com a dignidade e caráter próprio das virgens que certamente seriam aceitas numa vida de clausura. Viveu feliz?  Tal qual Maria lá na humildade de Nazaré, Antonieta gestou a presença   de Deus na sua fé, no enredo anódino da existência.  
  

Antonieta chegou ao mundo em silencioso trabalho, e dele partiu sem qualquer mácula na vida pessoal. Dispensa coroas de santidade, mas tem em sua lápide as gravuras de um ser digno em nossas mentes memoriáveis (U. Alencar).

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