“Maldito o homem que confia
no homem”
Seminarista Joelder Pinheiro
Correia de Oliveira
De modo preliminar, vale ressaltar que não intencionamos
fazer uma análise teológica deste versículo bíblico de Jeremias 17, 5, mas
propomos uma reflexão antropológica da condição existencial do homem que está
em constante relação com o seu semelhante.
O homem não é uma ilha encerrada em si mesma, não é uma
solidão carcerária e sombria, não é um grão de areia no meio do nada. O homem é
relação, é abertura ao mundo e saída de si, do seu eu, para encontrar com o
outro, numa relação não de desfiguração, mas de complementaridade. Deste modo,
a identidade particularizadora do ser se afirma e reafirma na diversidade do
outro, vislumbrando no semelhante aquilo que lhe falta.
Ao se reconhecer
e se afirmar enquanto uma identidade pessoal, o homem será capaz de sair de si
mesmo com segurança e coerência para ir ao encontro do seu semelhante. É sobre
esta saída de si que trataremos. De imediato podemos nos perguntar: se o homem
é um ser relacional, por que ele é “maldito” ao confiar no outro? Não deve
haver, portanto, confiança nas relações humanas? Veremos adiante.
Poderíamos procurar diversas explicações filosóficas,
sociológicas, históricas ou, quiçá, teológicas para dar respostas plausíveis,
entretanto, acreditamos que a própria experiência, como mestra e pedagoga
elevada, pode responder categoricamente. Vale ressaltar que maldita não é a
confiança, esta é uma capacidade nobre da pessoa.
Existem muitas pessoas com
feridas enormes e dolorosas causadas pela confiança depositada em outrem. Nas
diversas esferas das relações humanas a confiança pode ser transformada na
espada que trespassará a alma. É o que se constata no fim de matrimônios
feridos pela traição, nas amizades findadas pela falsidade e indiferença, nos
negócios relegados à trapaça, na dissolução de vínculos familiares pela ambição
e avareza e etc.
Em outras palavras, nenhum ser humano é tão perfeito a
ponto de nunca falhar, ninguém é tão pronto a ponto de nunca precisar repensar
e se corrigir. O homem caminha sempre entre o ‘seu ser’ (aqui e agora) e o que
‘deve ser’ (o ser que almeja), num caminho ascendente de perfeição pessoal que
não alcançará de modo pleno na terra. Como as relações sempre acontecem no
presente, elas sempre estarão sujeitas à decepção porque o homem ainda está em
caminho. Contudo, mesmo o homem estando em ‘construção’, suas falhas não se
justificam a si mesmas, a ponto de se pensar que é assim mesmo e pronto!
Deve-se lutar contra elas e superá-las para o próprio bem e para o bem dos
outros.
Partindo desses pontos, ousamos fazer uma releitura do
versículo: maldito não é somente o homem que confia no outro, mas, muito mais
maldito é aquele que fere a confiança de alguém, que joga na lama uma
capacidade tão nobre, que escarnece de tão profunda atitude. Sendo assim, a
maldição não consiste em confiar nas lutas pela coerência de vida, pelo desejo
de mudança, pela busca da fidelidade, pela verdade das atitudes ou pela nobreza
das ações que estão presentes no ser humano, mas consiste – a maldição – em
querer confiar, quase que cegamente, na fantasia de que as pessoas são
infalíveis, que se bastam e que as tendo ao seu lado não se precisa de mais
nada, nem de Deus.
Por fim, como se constatou, grande é o risco de decepção
ao confiar em alguém, contudo, a confiança é primordial para a construção das
relações humanas, confiando não na infalibilidade do ser humano, mas na sua
sincera e coerente busca pelo bem para si mesmo e para o outro, por meio de uma
vida virtuosa, íntegra e idônea.