quinta-feira, 2 de março de 2017

DALVINO ALENCAR - Ubireval Alencar






Do lado esquerdo da foto, a Farmácia Alencar, com duas portas, que se ainda existisse, era a mais antiga do Estado de Alagoas.





DALVINO ALENCAR -  O MÉDICO DE ALDEIA

Era ali na esquina da subida da Rua de Cima (fica mais bucólico e tradicional dar nomes antigos das ruas), que se instalara num modesto prédio a centenária FARMÁCIA ALENCAR, fundada pelo patriarca João Gualberto Alencar. Seus filhos, Dalvino, Virgílio, João Gualberto Filho (Janjão), Cinira e Eunice. Os dois primeiros  se capacitariam em cursos de Enfermagem e dariam sequência ao trabalho paterno. 

Virgílio, permaneceu toda vida um solteirão inveterado, embora se comente que teve produção avulsa de uma filha. Era tão poético  e profissional de Farmácia quanto filósofo critico,  de sérios e abalizados julgamentos, além  de um dos mais devotos filiados  carnavalescos, em parceria com Luís Luna Torres (Luís  Dentista), Zequinha Guimaraes, Zé de Bené, Itamar e Mareval Malta, os filhos mais velhos  de Pompilio  Brandão  (Eraldo, Luís Celso, João  Alvino, Laercio) e tantos como  a turma de Popó, Levi, José  e  Luis Brandão, inclusive a leva recém  chegada dos Barbosas (José,  Antonio, Otacilio, Natalício  e Chiquinho).     

Como em tantas cidades do interior do país, há sempre farmacêuticos  práticos com ou sem titulação, prestando-se  a substituir a ausência  do profissional da área médica. Dalvino e Virgilio eram capacitados no ofício de leitura e interpretação de bulas medicamentosas. Mata Grande vivia a carência de médicos e sem hospitais para atendimento das urgências mínimas. Só a garantia de um homem capaz e vocacionado poderia favorecer a população in loco e arredores, onde a todo instante surgiam, ora idosos convalescentes, ora mulheres em trabalho de parto. 
                   
Dalvino tinha vida módica e bastante reservado, privando-se dos cuidados com ofício.  Só veio a casar-se madurão , com Zuleide, donde nasceu Sônia. Tinha, no entanto um filho, João Dalvino, cuja mãe se chamava Aurelina. E o médico  prático já chamado Dr. DALVINO era incansável. Franzino e de fala séria e meiga. Alto e esquelético, mas de uma elegância incomum. Vestia-se de calça e camisa de linho branco em perfeita goma. Voava rua acima, rua a baixo, a pé, em dedicação. Magérrimo, uma pena sobrevoando casas e redondezas no atendimento de dores, cortes e ferimentos por arma branca e de fogo. -"CHAMA O DR DALVINO!" Eram gritos de desespero a cada dia, semana a semana, na intermitência das dores e sofrimentos. 
                         
O eficiente farmacêutico e médico em exercício prático trouxe centenas de crianças ao mundo. Eram mãos divinas acompanhando futuras mamães ou as de longa data na hora decisiva, em que a presença moral é tão benfazeja quanto a proficiência do obstetra. Em tantas madrugadas das dores de parto, Dalvino vigiava na conformação de uma fala sacerdotal. 

Acalentava esperanças e amenizava sofrimentos, mesmo quando o quadro clínico lhe parecia irreversível.  Não se furtava a permanecer à cabeceira do moribundo na hora mais difícil. Muitos encontraram refrigério e certeza da eternidade em seus braços.  
  
E levaram anos -  os dois irmãos -  juntando trocados para comprar um "jeep" visando sua clientela distante. Pois é. Já houve um tempo e raro em que profissão era o exercício da dignidade e construção de um mundo  de homens de valores. Quanta falta nos fazem Dalvino e Virgilio, nos dias de hoje.
(U. Alencar)

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