segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

A FONTE - Walter Medeiros

 

A FONTE 

 

--- Walter Medeiros

 

Uma das lembranças que guardo de Mata Grande é da fonte, onde diariamente muitos iam buscar água e da qual se falava como se ela fosse uma pessoa integrada ao nosso convívio. Ali, as cenas mais comuns eram formadas por pessoas transportando galões ou burros, como seus barris, tangidos calmamente pelos caminhos feitos aos poucos pelas pisadas cotidianas.

Era a fonte que, arrodiada pela tranquilidade dos avelozes e plantas rasteiras, garantia a sobrevivência de muitos, até em certos períodos críticos de seca, e que tinha uma beleza ímpar, já que o sol quase não chegava perto e vivia como que protegida pela vegetação.

Naquele local se misturavam os pássaros, com seu canto sinfônico, que nos davam uma tenra tranqüilidade, a qual motivava remorso, quando quebrada, como fez numa daquelas manhãs um menino, ao atingir fortemente um canário com uma “bala” de barro. Ao vê-lo batendo asas, sem poder voar, lutando contra a morte, foi tomado de arrependimento e tentou salvá-lo a qualquer custo. Mas era tarde.

Tinha dessas coisas a fonte, que eu posso comparar hoje à melhor alvorada que desejaria ter. Cedo, pisava suas bordas molhadas e seguia o ritual comum, jogando as latas, naquela espera paciente pelo afastar das folhas. E saída respirando o ar puro, ao seu redor, deixando-a algumas vezes solitária, como que se embalando, para dormir um sono justo.

Mas todo esse aspecto pareceu mudar quando contaram-me as chocantes cenas ocorridas ali perto, décadas atrás, quando não pôde servir muito. Ano seco, muita fome e, o pior, muitos tombando mortos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário