UM ROSTO NÃO CONFORMADO A UMA MENTE DIABÓLICA
Ubireval Alencar
A expressão de um rosto, que hoje vive o confinamento de uma
prisão, resultado de trinta e quatro assassinatos, todos eles com vítimas
femininas. Tiago Henrique, o serial killer de Goiânia. Se não fosse tamanha a
divulgação do famigerado assassino, certamente a Globo se reservaria o
privilégio de ter no seu "staff" mais um rosto televisivo, para
contracenar nos horários melosos das novelas.
Quase dois metros de corpo esguio, expressão cinematográfica
no olhar, na ansiedade de uma entrevista a que se submetera e exibida na TV
Record (Câmera Record), no último domingo passado (11.06.17). Um jovem no tempo
(29 anos de idade), em vários momentos da entrevista deixa transparecer a
dúvida sobre seu arrependimento, embora venha a confessar os crimes, ora em
número de 28 ora 34, como se a quantidade nada mais acrescesse às suas
torpezas.
Durante a entrevista, psiquiatras em flashes intercalados de
discussão se perguntavam sobre qual a razão de ser de o psiquismo viver essa
anomalia do instinto de matar. O psico maníaco vinha se desenhando como
psicopata. Não conhecia de antemão suas vítimas. Desconhecia seus estados civis
de solteira, casada, ou livre. Alimentava o criminoso a virtualidade de escolhas
aleatórias, como se as saboreasse em tons distintos. Nem prescindia de uma
motivação por abandono sentimental, perda de emprego (ele tinha função
empregatícia, era vigilante de uma transportadora), ou menos ainda por
desavença atual ou remota com pessoas.
Elas - jovens ainda, aparência atraente, caminhando a
esmo ou em horário de trabalho, desde que em hora solitária, e ausente de
testemunhas. Como se fosse um filão do dia, na sua hora meditativa.
Avistava-as num trajeto de moto, e tomava-se do impulso da escolha e decisão
certeira: um tiro no rosto. Retirava-se de cena com a tranquilidade de uma
entregador de jornais, ou cumprimento de uma mandado interior tresloucado.
Uma morosa investigação do "leitmotiv", do modo de
andar do agente, e a repetição contínua de apenas um tiro deflagrado sobre a
vítima, e de uma mesma arma utilizada. E como se permitiu que o feminicida
chegasse à cifra alarmante de mais de trinta assassinatos? Um descalabro no
extenso ordenamento jurídico. Pasmaceira e imperícia de uma frágil e dormente
investigação. Como se compreender aberrante incúria policial, se todos os alvos
alcançados eram de uma mesma cidade, de um mesmo território de coabitação do
agente do crime?
"Ah, foi um moço que sofreu violência na infância,
desconheceu a presença do pai, etc". Quantos nesses dias, meses e anos
viveram o abandono de pais, desconheceram o carinho materno ou mesmo a afeição
de rua! Ódios, condenações, bullying podem ser agentes momentâneos de
desestruturação psíquica, mas não determinantes. Heróis e heroínas anônimos têm
dado provas da capacidade de superação humana.
Esse rosto que fotografa e filma bem é a reserva psíquica de
um desalinho da natureza humana. Guarda congênito uma patologia visceral. A
fiação de neurônios e vasos comunicantes cerebrais causou-lhe tão grande
desordem mental que somente aprofundados estudos da neuropsiquiatria poderão no
futuro chegar a uma equação mais humanamente compreensível.
O que mais causa estranhamento durante a entrevista é
polidez da linguagem. Não é um ser tosco. Apieda-se dele à primeira vista, quem
desconhece sua ficha criminal. Há uma indisfarçável bonomia representada e sem
pressa de que algo maior venha a descortinar-se, na extensa lista de crimes
perpetrados. Estava ali presente como se testemunha fosse dos próprios atos. Um
narciso que se contempla ao espelho da vaidade doentia. De olhar ponderado,
continha-se em segurar um instintivo riso satânico.
Cumulado por tantos crimes, dificilmente se poderia imaginar
que o sentimento maior do amor jamais afloraria nessa máscara de ser
pertencente aos humanos. Mas qualquer garota que ligasse a TV, nesse exato
momento em que uma voz branda e maleável se ouvia, por ele se atrairia. O
assassino deve ter tido um laivo de consciência desse trunfo, e desse modo
personalizou-se na sua hediondez. Assim deve ter acontecido igualmente no
momento da abordagem dele, uma a uma... e elas o olharam sob o prisma de um
beijo mortal.
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