COMO ATAR AS DUAS PONTAS DA VIDA?
Ubireval Alencar
Os jornais e a televisão estampam a grande contradição que a
sociedade vive no impasse entre o nascimento e a morte. Ora são os cemitérios
que esgotaram suas últimas reservas para seus mortos, superlotação de corpos em
estranha e silenciosa briga, ora são as maternidades públicas querendo fechar a
porta de entrada da vida, porque lhes faltam as condições mínimas de recepção
aos novos indivíduos, não bichos.
Meu Deus! Como é singular e estranhamente atraente a visão
dessa cena: os nascituros (os que já estão na horinha de nascer) parecem loucos
para soltar o berro de anúncio de que a vida é a sua proposta, e os morituros
(os que estão se preparando para a hora definitiva da morte) começam a
angustiar-se com a perspectiva de que o tempo dos homens não lhes reservou o
espaço desejado para o repouso dos batalhadores.
Os nascituros devem estar suspirando internamente
com a contradição que os aguarda. Por um lado, serão forçados a fazer o corte
do cordão umbilical que harmonicamente ainda os mantém em confortável piscina
uterina, e por outro lado se acham favorecidos com a possibilidade de lançar o
grito de liberdade. Os morituros ainda convivem com a nostalgia dos
sentimentos que abraçaram, suspiram realizados com a prole engrandecida, mas
anteveem o atropelo na hora de embarcar a bagagem que asseguraram por toda uma
vida.
Essa é a cena teatral mais trágica e mais lírica que a vida
poderia apresentar. Uns estão batendo às portas de entrada da vida para dizer
"sou gente" e ao mesmo tempo a Gente Governamental que os devia
receber ainda não preparou a festa desejada, muito embora antecipadamente já
venha tributando-a; outros estão à procura do local de saída desse fascinante
estacionamento em que se demoraram por anos e ao mesmo tempo se defrontando com
guaritas de seleção e espera. Como é possível viver, ter o direito de nascer e
quando será permitido morrer em paz?
Estranha contenda humana: a dos inocentes e apressados, e a
dos combalidos pelo tempo e sem nenhuma pressa de partirem. Fica então um
empurra-empurra danado. Quem fica onde? Impossível segurar a inquietação do
feto em ebulição e pior ainda não localizar a cadeira última no assento da vida
terrena. E o maior agravante de tudo: essa perplexa situação ocorre num
instante em que as duas pontas da vida se mostram frágeis, cheias de esperanças
e desejosas de muitas saudades. Nesse entrave dramático não se consegue
distinguir se o aceno de adeus partirá daquele que tantos sonhos acalentou de
vir ao mundo, se daquele que fez o itinerário da vida a duras penas, e agora
também quer aconchego no útero da mãe-terra.
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