quinta-feira, 8 de junho de 2017

COMO ATAR AS DUAS PONTAS DA VIDA? Ubireval Alencar



COMO ATAR AS DUAS PONTAS DA VIDA?
                         Ubireval Alencar



Os jornais e a televisão estampam a grande contradição que a sociedade vive no impasse entre o nascimento e a morte. Ora são os cemitérios que esgotaram suas últimas reservas para seus mortos, superlotação de corpos em estranha e silenciosa briga, ora são as maternidades públicas querendo fechar a porta de entrada da vida, porque lhes faltam as condições mínimas de recepção aos novos indivíduos, não bichos. 

Meu Deus! Como é singular e estranhamente atraente a visão dessa cena: os nascituros (os que já estão na horinha de nascer) parecem loucos para soltar o berro de anúncio de que a vida é a sua proposta, e os morituros (os que estão se preparando para a hora definitiva da morte) começam a angustiar-se com a perspectiva de que o tempo dos homens não lhes reservou o espaço desejado para o repouso dos batalhadores.
Os nascituros devem estar suspirando internamente com a contradição que os aguarda. Por um lado, serão forçados a fazer o corte do cordão umbilical que harmonicamente ainda os mantém em confortável piscina uterina, e por outro lado se acham favorecidos com a possibilidade de lançar o grito de liberdade. Os morituros ainda convivem com a nostalgia dos sentimentos que abraçaram, suspiram realizados com a prole engrandecida, mas anteveem o atropelo na hora de embarcar a bagagem que asseguraram por toda uma vida.
Essa é a cena teatral mais trágica e mais lírica que a vida poderia apresentar. Uns estão batendo às portas de entrada da vida para dizer "sou gente" e ao mesmo tempo a Gente Governamental que os devia receber ainda não preparou a festa desejada, muito embora antecipadamente já venha tributando-a; outros estão à procura do local de saída desse fascinante estacionamento em que se demoraram por anos e ao mesmo tempo se defrontando com guaritas de seleção e espera. Como é possível viver, ter o direito de nascer e quando será permitido morrer em paz?

         
                                                                                                                                                                    
Estranha contenda humana: a dos inocentes e apressados, e a dos combalidos pelo tempo e sem nenhuma pressa de partirem. Fica então um empurra-empurra danado. Quem fica onde? Impossível segurar a inquietação do feto em ebulição e pior ainda não localizar a cadeira última no assento da vida terrena. E o maior agravante de tudo: essa perplexa situação ocorre num instante em que as duas pontas da vida se mostram frágeis, cheias de esperanças e desejosas de muitas saudades. Nesse entrave dramático não se consegue distinguir se o aceno de adeus partirá daquele que tantos sonhos acalentou de vir ao mundo, se daquele que fez o itinerário da vida a duras penas, e agora também quer aconchego no útero da mãe-terra.

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