Estradas da vida
--- Walter Medeiros
Os meus gostos por coisas da natureza, sentimentos, belezas, atitudes, gestos, momentos, contemplações, mostram o meu olhar para o mundo que, mesmo não sendo somente isto, ressalta muito disto, caracterizando-me como sentimental. E pronto, como dizem alguns amigos. Mas o que desejo abordar agora é a beleza de certas cenas e paisagens que guardei vida afora, de ciência própria ou por ouvir dizer.
Quando ainda criança, tinha uma visão fascinante dos caminhos que saíam de Mata Grande. Um deles, passava pelo Almeida, sítio aonde eu ia buscar as burras alugadas pelo Dneru para meu pai trabalhar, subindo as serras de Alagoas. Para chegar até o sítio, passava-se por um riacho, um pontilhão e contemplava-se aquela bela paisagem que mostrava o fomento e as últimas casas da cidade.
Outro caminho saía para a estrada que vinha de Pão de Açúcar, no qual circulavam os caminhões, camionetas, carros menores e carros de boi, principalmente no sábado, dia de feira. No passeio que dava no carro de boi das abrobinhas, família que meu pai conheceu numa serra e que pousava na nossa casa, via um destino não tão distante; apenas do tamanho dos sonhos que sonhava junto ao aveloz do pé da cerca.
Durou pouco esse limite, pois logo fomos a Maceió, onde fiquei maravilhado com a fila de lanternas dos carros, naquela estrada asfaltada por onde chegamos à noite, de ônibus. Naquela mesma viagem vi, tomado de curiosidade, os fardos de jornais – Gazeta de Alagoas, que eram transportados pelo ônibus, para distribuição pelo caminho. Ampliava-se, então, a visão das minhas estradas.
Pouco depois veio outra estrada, essa mais fascinante ainda, pela leitura recente do poema de Manoel Bandeira, Café com pão: a estrada de ferro, pela qual viajamos de Arcoverde, Pernambuco, até Natal, voltando para a nossa terra depois de seis anos nordeste afora. Era o primeiro contato com os trens, naquela correria de sempre, onde minha mãe puxou-me pela mão na hora do embarque e meti a canela num batente, sentindo uma dor inesquecível.
Era o Brasil da RFFSA, cuja matriz de transporte foi, lamentavelmente, modificada, desde aquele tempo em que Washington Luiz, presidente, disse a famosa frase: “Governar é construir estradas”, mas que foi entendida tão somente como governar é construir estradas para automóveis. Pelos problemas que nunca foram equacionados a contento, findamos sem estradas suficientes nem de ferro nem de asfalto.
Mas, como as estradas não são somente isso, meu olhar sobre elas está naquele traçado de engenharia, que corta rochas, escava túneis e eleva pontes, para nos fazer chegar a todos os destinos. E assim veio aos meus olhos a estrada de Tangará, logo depois que aquela cidade deixou de ser chamada de Riacho. Para lá viajava frequentemente, ou andava a pé, da fazenda onde passava dias, até a cidade, para fazer compras.
Novamente as limitações mantinham a curiosidade. Como seria depois de Tangará... Como seria Santa Cruz, que não conhecia ainda, onde realizou-se um bingo, que atraiu centenas de carros de Natal e cidades vizinhas. Um grande acontecimento, na época. Mas logo conheci as estradas para Campestre e Nova Cruz. De onde a histórica estrada de ferro me levou também, um dia, para Natal, no carro restaurante, tomando café com pão.
Das ondas do rádio ouvia as belas melodias e belos versos, que falavam em estrada de Canindé, “Oh! que estrada tão comprida / Oh! que légua tão tirana...”. Versos como aqueles da dupla sertaneja que fala dessa “longa estrada da vida”. Travessia, com o “solto a voz nas estradas / já não posso parar...”. O frete, que fala em estradão, e diz: “Eu conheço cada palmo desse chão”. Além, entre outras, da sonora Estrada do Sol: “Uma estrada de flores /0 Onde a vida nos sorria”,
O tempo, a vida, continua décadas afora, e eis que chegou a hora de pegar a estrada no rumo de Recife. Depois veio Salvador, veio São Paulo, Fortaleza, Mossoró, muitas estradas por onde vi belezas e mais belezas. A estrada de Santos, a subida de Campos do Jordão, quantas estradas, quanta emoção!
Belas estradas encontramos pelo mundo. Quantas estradas em Portugal, do Algarve ao Alentejo, da rota Douro a Viana do Castelo. E aquela estrada misteriosa de Geres. Sem esquecer tantas estradas do sul da França, da Bélgica, de Luxemburgo, Suíça, Alemanha. Ali fascinam as estradas da Floresta Negra, dos Alpes, principalmente aquela que nos leva ao pé da montanha de Fell Horn.
Muitas dessas estradas guardei na memória, na retina, no coração. Muitas delas tenho fotografadas, por mim ou por outras pessoas, mostrando a beleza, o fascínio e a emoção de ter passado por elas. São lugares por onde desejamos passar novamente. Talvez nunca mais voltemos em algumas delas. Mas novas estradas também aparecem, renovando a nossa vida, trazendo novas e belas experiências. Por tudo isto faço esse registro. Em homenagem a tantos lugares belos por onde andei.
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