T I T A N I C - o resgate de um sentimento
versus destroços de uma pompa
Ubireval Alencar
Após fabuloso sucesso de bilheteria, há quase duas décadas,
sem igual, o genial criador, roteirista e produtor cinematográfico, com
bacharelado em Física e também estudioso de Filosofia, James Francis Cameron
ainda desfruta os louros com essa obra cinematográfica, que veio cultuar o
espaço da arte da filmografia como dos mais atuais e cuja estética da recepção
é a das mais convincentes. Seu potencial criador se repeteria em sucessos
posteriores como O exterminador do futuro, Avatar entre outros.
O filme Titanic (1997) traduziu com arte, a arte
da narração da personagem sobrevivente (Rose /Kate Winslet, nova, e Rose/
Gloria Stuart, idosa) num flash back emocionante, toda expressão da gratuidade
do sentimento, do despertar de uma paixão, aliado ao sentimento do trágico, que
é o naufrágio do navio. É, conjuntamente, o amálgama de narrativa, romance,
drama e tragédia. Além da beleza plástica da fotografia e musicalidade. Afinal,
o mais caro longa-metragem norte-americano, com orçamento de 200 milhões de
dólares, e cuja bilheteria atingiu 2,1 bilhões de dólares.
Como expressão de uma ideia e de uma forma estética, a
primeira está na leitura crítica do resgate histórico do objeto transatlântico,
aparentemente indestrutível, em sua primeira e inaugural viagem, mas
humanamente negligenciado em seu gerenciamento (número incompleto de barcos e
salva-vidas), além da pretensão de antecipar a chegada a seu destino, antes do
previsto. Em todos os momentos, cuidados e disciplina ainda a vaidade humana
preponderava sobre o bem comum.
Como obra cinematográfica, o Titanic é expressão
da forma estética. Uma narradora sobrevivente e personagem central de um
romance iniciado nos bastidores do navio tece a narrativa numa recontagem
regressiva do apogeu, fausto, suntuosidade do navio inaugural. O pretenso
noivo, dentro do triângulo amoroso da narrativa, é a figuração da riqueza e
imponência do transatlântico. O amor não estaria na medida dessas riquezas.
Submersa a pretensão do rico candidado, submerge o navio dos
sonhos e acordos de casamento em família. Aflora a condição do apaixonado,
amante extemporâneo, convivendo momentaneamente o trágico e o proibido. Ele é a
transgressão do social, viajor intruso, sorteado de última hora e acidental,
que burla o estabelecido, e da elite que ocupava a primeira classe.
No Titanic, como obra de arte do cinema, naufragou a
pompa, a ambiciosa pretensão humana de ultrapassar todos os limites de
segurança, conforto e luxo. Mas foram salvos a expressão da forma de sentir, a
capacidade de transmitir uma emoção clicada no momento de seu encantamento, o
desejo escondido de um apaixonado à espera do outro. A morte do protagonista
Jack Dawson (Leonardo Di Caprio) era inevitável, dentro da visão da tragédia,
pois transgredira todas as regras que limitavam o herói mítico.
A hybris da sua paixão ultrapassou a medianidade da condição dos
homens, e alguém teria que morrer para salvar o amor, objeto eternamente
platônico.
Um último fato da narrativa cinematográfica que sobrepõe a
riqueza estética do filme aparece com a simbologia do colar de diamantes,
objeto de desejo material, único, busca e resgate no tempo atual de uma
expedição, e concomitantemente responsório e guarda de uma pretensão frustrada,
e que é subreptícia e inesperadamente devolvido ao mar pela personagem
sobrevivente, e que silenciosamente o guardara consigo todos esses anos. Esse
belo recurso técnico, estilístico e plástico redundou num
afundamento/naufrágio da inútil comparação do amor com as possibilidades de
riquezas materiais. Submergido e naufragado o essencial (o
apaixonado/amante), não há porque guardar as aparências. O essencial aos olhos,
o sentimento e amor vividos pela personagem sobrevivente não era objeto da
expedição que chegou a comemorar o resgate do cofre onde possivelmente estaria
o sonhado medalhão (diamante).
A heroína, agora também narradora devolve ao fundo do oceano
todas as vaidades e riquezas humanas simbolizadas pelo colar de diamantes, que não
era sua específica temática de vida. Deu-se o resgate de um sentimento, de
uma paixão, opondo-se ao malogro de um desejo de pompa, atitudes soberbas. A
personagem Rose contextualiza o sentido carnavalesco de desmonte e
desestruturação do mundo aristocrático. Desce da primeira à terceira classe do
navio, e lá dança, convive, e atualiza o que Mikhail Bakhtin
denominou mésalliance, a junção dos desiguais. Salvou-se
também com a heroína a condição de autora, narradora e personagem de um
sentimento que a poucos é dado conviver. Esta é a grande beleza da obra de arte
narrativa, bem urdida pela inventividade criadora de James F. Cameron, através
do cinema. Agora também em 3D, e com a revisitação/reconstrução de uma
réplica do navio, brevemente a ser inaugurado e com todos os espaços vendidos,
num anseio trágico presente à natureza humana.
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