terça-feira, 28 de junho de 2016

CAJU, CAJUÍNA E PRONTO - Walter Medeiros






Caju, cajuína e pronto!



--- Walter Medeiros



A natureza tem muitos encantos, mas alguns deles são verdadeiras dádivas a uma parte privilegiada. Em qualquer lugar do mundo as pessoas tem suas belezas, seus sabores devidamente localizados, mas isso não tem nem comparação com o sentimento do nordestino em seus contatos com esta natureza. Refiro-me a um fruto, uma fruta, um pseudofruto, como quiserem chamar, com que convivo desde criança e guardo de forma marcante meus melhores contatos com ele: o caju.



Longe de mim intenção de rastrear a história do caju, mas pelo que se sabe é mesmo nativo do Brasil, mais precisamente do nordeste. Aí estaria uma primeira ligação natural com o próprio cajueiro. Quando criança, em Mata Grande, a casa onde morava tinha um imenso e belo cajueiro, que nos dava uma bela sombra para brincarmos de chimbra e triângulo. Mas num dia frio de chuva torrencial, o amanhecer veio-me com a notícia de que nossa grande árvore havia sido derrubada, partida ao meio, por um raio. Lá estava nosso cajueiro prostrado.



Dali em diante, aquela beleza do fruto, amarelo, vermelho, comprido ou redondo, passei a encontrar, contemplar e saborear em outros locais. No quintal da minha casa restaram duas laranjeiras, de frutos também belos, e uma goiabeira, aquela onde uma louca da rua subia sem calcinha enquanto os meninos brincavam no chão de barro. Encontrar cajus agora era no sítio de seu Panta, no Almeida e alguns outros belos lugares do pé da serra da onça.



Depois que nos mudamos para Natal, comprávamos caju na feira do Alecrim. Mas nenhum tinha a beleza nem o gosto daqueles cajus de Mata Grande. Nem sabia naquele tempo que perto daqui ficava o maior cajueiro do mundo. E nas andanças pelas estradas e praias, foi sempre natural esse contato com o caju. No tempo que bebia bebida alcoólica, que tira-gosto! Nas lanchonetes ou em casa, que suco! E que doce!



Em meio a esse dia-a-dia, foram estimulando a festa do caju, na Redinha. Tive necessidade, certa vez, de ir ao encontro de um médico amigo, logo aonde: no cajueiro, comunidade de Touros. Na antiga policlínica, havia um funcionário conhecido em Natal inteira como caju. Em nosso meio, nosso amigo repórter fotográfico Carlos Santos – que deixou nosso convívio há uma semana – também recebeu esse apelido. Nos anos 80 do século passado, muitos devem lembrar de um trabalho de Juca Chaves que ganhou o sugestivo título de “Vá tomar caju”.



Mas a essência maior, o néctar dos mortais, vem deste fruto e passa por um processo muito interessante. Parece que ainda não descobriram quão saboroso é, haja vista a dificuldade que temos de encontrá-lo. Só vendido mesmo em poucos lugares isolados e algumas raras lojas de produtos regionais, quando não está em falta. Trata-se da cajuína, que não encontramos em nenhum supermercado, apesar de inúmeros apelos já feitos, debalde, às ouvidorias.



Pelo mundo afora tem gente que não gosta ou ainda não se acostumou com o caju. Deve ter gente que também não vai gostar nem se acostumar com a cajuína. Mas, gosto é gosto. Gosto muito.

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quarta-feira, 15 de junho de 2016

A FAMIGERADA CHIKUNGUNYA - Germano


Febre Chikungunya



Milhares de matagrandenses foram ou estão acometidos da famigerada febre. Vim passar uns dias em Mata Grande e a minha querida esposa foi picada pelo valente mosquito transmissor. Levei-a ao hospital onde foi prontamente atendida, porém,  os sintomas  não diminuíram , a febre  beirou os trinta e nove graus e meio   Os sintomas são persistentes e logo abaixo vamos conhecer trechos da matéria  que obtive em pesquisas na internet, no site MINHAVIDA.COM.

“A Febre Chikungunya é uma doença parecida com a dengue, causada pelo vírus CHIKV. Seu modo de transmissão é pela picada do mosquito Aedes aegypti infectado .

Seus sintomas são semelhantes aos da dengue: febre, mal-estar, dores pelo corpo, dor de cabeça, apatia e cansaço. Porém, a grande diferença da febre chikungunya está no seu acometimento das articulações: o vírus avança nas juntas dos pacientes e causa inflamações com fortes dores acompanhadas de inchaço, vermelhidão e calor local.

A febre chikungunya teve seu vírus isolado pela primeira vez em 1950, na Tanzânia. Ela recebeu esse nome pois chikungunya significa “aqueles que se dobram” no dialeto Makonde da Tanzânia, termo este usado para designar aqueles que sofriam com o mal.

A doença, apesar de pouco letal, é muito limitante. O paciente tem dificuldade de movimentos e locomoção por causa das articulações inflamadas e doloridas, daí o “andar curvado”.

A epidemia propagou-se do Oceano Índico à Índia, onde grandes eventos emergiram em 2006. Uma vez introduzido, o CHIKV alastrou-se em 17 dos 28 estados da Índia e infectou mais de 1,39 milhão de pessoas antes do final do ano. O surto da Índia continuou em 2010 com novos casos aparecendo em áreas não envolvidas no início da fase epidêmica.


Casos importados também foram identificados no ano de 2010 em Taiwan, França, Estados Unidos e Brasil, trazidos por viajantes advindos, respectivamente, da Indonésia, da Ilha Réunion, da Índia e do sudoeste asiático.

A febre chikugunya não é transmitida de pessoa para pessoa. O contágio se dá pelo mosquito que, após um período de sete dias contados depois de picar alguém contaminado, pode transportar o vírus CHIKV durante toda a sua vida, transmitindo a doença para uma população que não possui anticorpos contra ele. Por isso, o objetivo é estar atento para bloquear a transmissão tão logo apareçam os primeiros casos.

O ciclo de transmissão ocorre do seguinte modo: a fêmea do mosquito deposita seus ovos em recipientes com água. Ao saírem dos ovos, as larvas vivem na água por cerca de uma semana. Após este período, transformam-se em mosquitos adultos, prontos para picar as pessoas. O Aedes aegypti procria em velocidade prodigiosa e o mosquito adulto vive em média 45 dias. Uma vez que o indivíduo é picado, demora no geral de dois a 12 dias para a febre chikungunya se manifestar, sendo mais comum cinco a seis dias.

O mosquito Aedes aegypti mede menos de um centímetro, tem aparência inofensiva, cor café ou preta e listras brancas no corpo e nas pernas. Costuma picar, transmitindo a febre chikungunya, nas primeiras horas da manhã e nas últimas da tarde, evitando o sol forte. O indivíduo não percebe a picada, pois não dói e nem coça no momento. Por ser um mosquito que voa baixo - até dois metros - é comum ele picar nos joelhos, panturrilhas e pés.

Além de transmitir dengue e febre chikungunya, a fêmea do Aedes aegypti também passou a carregar o vírus responsável pela febre Zica.

Sintomas de Febre Chikungunya :

O período de incubação da febre chikungunya varia de dois a 12 dias. Muitas pessoas infectadas com CHIKV não apresentarão sintomas. O quadro clínico é muito semelhante ao da dengue, e os sintomas de febre chikungunya são:

•Febre

•Dor nas articulações

•Dor nas costas

•Dor de cabeça.


Outros sintomas incluem:

•Erupções cutâneas

•Fadiga

•Náuseas

•Vômitos

•Mialgias.


Os sintomas comuns de chikungunya são graves e muitas vezes debilitantes, sendo as mãos e pés mais afetados. No entanto, pernas e costas inferiores frequentemente podem estar envolvidas.


Febre chikungunya x Dengue:

A febre chikungunya apresenta um quadro muito parecido com os sintomas da dengue. Entretanto, é importante diferenciar o diagnóstico das duas doenças, uma vez que a dengue é mais grave e seu tratamento pede um acompanhamento mais próximo.

Se você suspeita de febre chikungunya, vá direto ao hospital ou clínica de saúde mais próxima. O diagnóstico deverá ser feito por meio de análise clínica e exame sorológico (de sangue). A partir de uma amostra de sangue, os especialistas buscam a presença de anticorpos específicos para combater o CHIKV no sangue. Isso indicará que o vírus está circulando pelo seu corpo e que o organismo está tentando combatê-lo.


Tratamento de Febre Chikungunya :

Atualmente, não há tratamento específico disponível para a febre chikungunya. Para limitar a transmissão do vírus, os pacientes devem ser mantidos sob mosquiteiros durante o estado febril, evitando que algum Aedes aegypti o pique, ficando também infectado.

É importante apenas tomar muito líquido para evitar a desidratação. Caso haja dores e febre, pode ser receitado algum medicamento antitérmico, como o paracetamol. Em alguns casos, é necessária internação para hidratação endovenosa e, nos casos graves, tratamento em unidade de terapia intensiva.

Como na dengue, pacientes com febre chikungunya devem evitar medicamentos à base de ácido acetilsalicílico (aspirina) ou que contenham a substância associada. Esses medicamentos têm efeito anticoagulante e podem causar sangramentos. Outros anti-inflamatórios não hormonais (diclofenaco, ibuprofeno e piroxicam) também devem ser evitados. O uso destas medicações pode aumentar o risco de sangramentos.


Complicações possíveis :


A mortalidade por febre chikungunya é muito pequena. Entretanto, um aumento na taxa de óbito absoluto foi relatado durante as epidemias de 2004-2008 na Índia e na Ilha Maurício.

Após os primeiros dez dias, a maioria dos pacientes sentirá uma melhora na saúde geral e na dor articular. Porém, após este período, uma recaída dos sinais pode ocorrer com alguns pacientes reclamando de vários sintomas reumáticos. Isso é muito comum entre dois e três meses após o início da doença. Alguns pacientes também podem desenvolver distúrbios vasculares periféricos, como a síndrome de Raynaud. Além dos sintomas físicos, a maioria dos pacientes reclama de sintomas depressivos, cansaço geral e fraqueza.

O sintoma persistente mais comum é dor nas articulações decorrentes de inflamação, geralmente as mesmas articulações afetadas durante os estágios agudos. Outros sintomas, como cansaço e depressão, podem persistir após a fase aguda da doença.


Entre os fatores de risco para não recuperação estão idade avançada (mais de 65 anos), problemas de articulação pré-existentes e doenças agudas mais graves.

O mosquito Aedes aegypti é o transmissor do vírus e suas larvas nascem e se criam em água parada. Por isso, evitar esses focos da reprodução desse vetor é a melhor forma de prevenir a febre chikungunya!

 Veja como eliminar o risco:

Evite o acúmulo de água

O mosquito coloca seus ovos em água limpa, mas não necessariamente potável. Por isso é importante jogar fora pneus velhos, virar garrafas com a boca para baixo e, caso o quintal seja propenso à formação de poças, realizar a drenagem do terreno. Também é necessário lavar a vasilha de água do bicho de estimação regularmente e manter fechadas tampas de caixas d'água e cisternas.

Coloque areia nos vasos de plantas:


O uso de pratos nos vasos de plantas pode gerar acúmulo de água. Há três alternativas: eliminar esse prato, lavá-lo regularmente ou colocar areia. A areia conserva a umidade e ao mesmo tempo evita que e o prato se torne um criadouro de mosquitos.

Ralos pequenos de cozinhas e banheiros raramente tornam-se foco de febre chikungunya devido ao constante uso de produtos químicos, como xampu, sabão e água sanitária. Entretanto, alguns ralos são rasos e conservam água estagnada em seu interior. Nesse caso, o ideal é que ele seja fechado com uma tela ou que seja higienizado com desinfetante regularmente.  

Limpe as calhas:


Grandes reservatórios, como caixas d'água, são os criadouros mais produtivos de febre chikungunya, mas as larvas do mosquito podem ser encontradas em pequenas quantidades de água também. Para evitar até essas pequenas poças, calhas e canos devem ser checados todos os meses, pois um leve entupimento pode criar reservatórios ideais para o desenvolvimento do Aedes aegypti.


Coloque tela nas janelas:


Embora não seja tão eficaz, uma vez que as pessoas não ficam o dia inteiro em casa, colocar telas em portas e janelas pode ajudar a proteger sua família contra o mosquito Aedes aegypti. O problema é quando o criadouro está localizado dentro da residência. Nesse caso, a estratégia não será bem sucedida. Por isso, não se esqueça de que a eliminação dos focos da doença é a maneira mais eficaz de proteção.

Lagos caseiros e aquários:

Assim como as piscinas, a possibilidade de laguinhos caseiros e aquários se tornarem foco de febre chikungunya deixou muitas pessoas preocupadas. Porém, peixes são grandes predadores de formas aquáticas de mosquitos. O cuidado maior deve ser dado, portanto, às piscinas que não são limpas com frequência.

Seja consciente com seu lixo:

Não despeje lixo em valas, valetas, margens de córregos e riachos. Assim você garante que eles ficarão desobstruídos, evitando acúmulo e até mesmo enchentes. Em casa, deixe as latas de lixo sempre bem tampadas.

Uso de repelentes:

O uso de repelentes, principalmente em viagens ou em locais com muitos mosquitos, é um método paliativo para se proteger contra a febre chikungunya. Recomenda-se, porém, o uso de produtos industrializados. Repelentes caseiros, como andiroba, cravo-da-índia, citronela e óleo de soja não possuem grau de repelência forte o suficiente para manter o mosquito longe por muito tempo. Além disso, a duração e a eficácia do produto são temporárias, sendo necessária diversas reaplicações ao longo do dia, o que muitas pessoas não costumam fazer.

Suplementação vitamínica do complexo B:

Tomar suplementos de vitaminas do complexo B pode mudar o odor que nosso organismo exala, confundindo o mosquito e funcionando como uma espécie de repelente. Outros alimentos de cheiro forte, como o alho, também podem ter esse efeito. No entanto, a suplementação deveria começar a ser feita antes da alta temporada de infecção do mosquito, e nem isso garante 100% de proteção contra a febre chikungunya. A estratégia deve se somar ao combate de focos da larva do mosquito, ao uso do repelente e à colocação de telas em portas e janelas, por exemplo. “



NOTA DO BLOG:

Por falar em alho, recentemente, informaram que a pessoa descasca cinco dentes de alho, corta-os ao meio e coloca em um litro de água.  A partir do dia seguinte, toma um copo em jejum, todas as manhãs, durante trinta dias.  Dizem que é muito eficaz, por ser barato, vale a pena testar.

Outra notícia barata é descascar uma rodela de inhame e colocar no liquidificador com o suco de um limão. Bater e beber. Não cura, porém, dá alívio e coragem para o enfrentamento do famigerado vírus.

sábado, 11 de junho de 2016

AS LAVADEIRAS DO JOÃO FÉLIX-Ubireval Alencar




As lavadeiras do "João Félix" acordam pelos restos da madrugada. Lá pelas quatro horas começa a procissão silenciosa da caminhada da serra que sustenta o imenso morro chamado Alto do João Félix. Uma a uma as casas simples começam a ser abandonadas, deixando ainda sonolentos maridos, filhos e velhos alquebrados pelos anos. Nem uma xícara sequer do gostoso cafezinho, torrado com açúcar no tacho de cobre, serve de pedida inicial à disposição daquelas heroínas, que se apressam em chegar mais cedo ao improvisado local de lavagem de roupas, em pedras brutas.
O "João Félix" é uma fonte de nascente natural entre pedras rochosas. Várias outras pedras espalhadas ao redor servem de lavanderia para as laboriosas lavadeiras, que dispõem, como única opção de trabalho e curtos rendimentos, o lavado das roupas da gente da cidade. Foi um costume que começou pouco a pouco, com a descoberta da antiga minação, que por sinal é uma das que fornece água mais saudável para os habitantes da cidade. Prefeitos e mais prefeitos por ali passaram e nenhum deles se deu o trabalho de sanar a indigência d´água. Nos grandes centros do país, já se vive a era do computador, mas lá no agreste do sertão o precioso líquido parece uma dádiva milenar e miraculosa.
Mas as prefeituras continuam a existir e com elas a dotação de verbas específicas. Todo prefeito que por ali passou, sem exceção, construiu sua bonita casa e colocou caixas d´água em sua residência, que eram abastecidas diariamente pelo carrego de animais ou pessoas habituadas a esse serviço pesado. Até o ano de 1985, quando escrevia essa crônica, esses fatos se repetiam como aleijões mentais, dado o hábito dos administradores de não se imunizarem contra o individualismo (ou frequentemente através do enriquecimento ilícito), que cega qualquer abertura à consciência político-social.

Logo cedinho, a fonte miraculosa apojava. Era uma alegria incontida ver aquelas senhoras apressadas em dar conta das trouxas de roupa que traziam lá do pé da serra, onde adormecia a pequenina cidade. Utilizando-se de potes de barro, as lavadeiras recolhem o precioso líquido e junto às pedras informes esfregam e batem as roupas mais encardidas. Estiram-nas ao sol ainda ensaboadas, aguardam o tempo do coradouro e retomam o enxugamento. Trabalho ingente, esforço sobre-humano para aquelas idades avançadas, algumas delas até prateando os cabelos. Por ali já passaram Gersina, Maura, Francisca, Chica Rato, D. Ernestina, a velha Isabel. Mas a vida lhes havia destinado aquela ocupação, por falta de outra diretriz e proposta de trabalho na estrutura pública local. Pelo pão de cada dia, encetam a labuta diária, com igual afinco e tenacidade. E disso se aproveitam para a troca de experiências maiores.
Entre elas, em meio ao lavado intensivo, havia um sentido de união e amizade que supera o comum das pessoas. Ora é a meizinha que é ensinada a uma consulta formulada, ora são os sintomas da doença de outra que servem de aviso para a recaída de uma outra, ora ainda é a decepção pelo caso de uma filha que se tornou mulher e mãe sem que o responsável aparecesse.... Esses temas compunham a tônica da maior parte das conversas ali ouvidas, como se fossem capítulos de uma estirada novela ao natural. Raras vezes o assunto exigia paralisação de todas para a escuta de um caso esporádico, quer seja ligado a mortes naturais, quer seja referente a assassinatos. Mas quando isso acontece , o silêncio é tão profundo que se ouvem perfeitamente os movimentos dos sapos deslizando-se nas locas das pedras encharcadas. Afora esses instantes de compenetração grande, ouvem-se as desabridas gargalhadas soltas, com a contagem das presepadas feitas pelos parentes de casa.
Lá do João Félix, a vista contempla a cidade antiquada, delineando a planta das principais ruas. No pólo extremo, vê-se o Galo Assanhado, a rua de Cima, onde está a imponente e inacabada Igreja Mariz; mais à esquerda, o Mandacaru, com o velho cemitério cheio de mortos antigos. No vale que cruza o centro da cidade, são vistos os grandes telhados que recobrem os sobrados pioneiros das famílias (o de Sr. Manezinho conjugado ao sobrado de Mariita/Chiquinho Malta), o sobrado que pertenceu a Dumouriez Amaral, o prédio da Cadeia Pública ainda em pé, imponente, e excelente local para reedificação de uma Biblioteca Pública Municipal que nunca foi implementada. Desmoronou de repente todo o teto da Cadeia, numa nota condenadora do descaso dos que foram representantes do povo e não atentaram para o bem valioso que a cidade poderia preservar, e culturalmente ser o celeiro de tantas leituras, estudos, salas de computação e afins. A morte e desmoronamento do prédio da Cadeia tem o grau de perda de um ente querido da cidade que se vai esquecido de todos.
Algumas dessas lavadeiras conheceram de perto a vida daquelas famílias, dado o hábito de terem acompanhado suas mães, tempo atrás, quando iam buscar as trouxas de roupa dos casarões que hoje parecem derreados, abatidos e sem mais vida pulsando neles. Quando se põem a retroceder no tempo, lembram melancolicamente o caso da Rosinha, filha de Antônio Rodrigues, moça de tradição na cidade que teve seu amor desfeito, e que agora passeia pelas ruas todo tempo portando uma flor, indiferente aos feriados, domingos e dias de festas. Quando em vida, todas as tardes ela costumava aparecer nas varandas dos jardins que se voltam para as calçadas, fazendo a recolha de uma flor, de uma rosa, e só repete a mesma expressão desde que atingiu o encantamento de vida: "como elas estão lindas".
Absortas nessas recordações, as lavadeiras entremeavam suas atividades com esses pendores imaginativos, ou, por vezes, com outras reflexões condoídas. Dotadas de um senso prático e intuitivo, essas primitivas criaturas sabem com antecipação as possibilidades de uma boa safra de legumes e frutas; acostumadas a sondar o tempo, aquilatam a previsão das chuvas e do estio. Nunca precisaram de relógio para demarcar suas horas de trabalho. A réstia que perpassa os pés de mulungus assinala minuto a minuto o transcorrer do tempo. Ali mesmo, à hora do meio-dia, deglutem o gostoso feijão recheado a jerimum, maxixe e mocotó de porco, com bastante farinha de mandioca.
É o princípio mítico que norteia o pensamento selvagem dessa gente. Da força suscitada pelas águas, deriva a sacralização do espaço construído, sendo aí revelada uma verdade absoluta, como se fora a instauração de um novo mundo.
Para tanto, entregaram-se anos sem fim às práticas dos mesmos rituais, não estabelecendo nexos de causalidade entre a sua própria condição e a condição dos que têm urgência de representá-los politicamente. Não conseguem fazer a passagem da sua condição de natura para a condição de cultura. Limitam-se à vivência dos momentos sagrados (míticos) que instituíram, e se comprazem com essa simbiose de vida que é traduzida pela expressão corriqueira das respostas dadas:  -"Vamos pelejando com as graças de Deus e da Virgem Maria".








domingo, 5 de junho de 2016

TEMÍSTOCLES VERÍSSIMO GUIMARÃES- Ubireval Alencar


"AQUI JAZ A ALBATROZ NEGRA DO SERTÃO". Era o epitáfio que intitulava a tumba onde iria repousar a figura folclórica que marcou época na longínqua e memorável Mata Grande. Velhos amigos se dirigiam ao local irrecusável, acompanhando os despojos do cancioneiro infalível, e que agora pede licença para descansar.

Coisa muito bonita de se ver, ainda hoje, pelos interiores tardios, aquele contingente humano, a pé, prestando as últimas homenagens ao amigo que se despede. Há sempre um interesse maior de cada acompanhante de chegar até à alça do caixão e poder carregar o esquife movediço. É como se fosse, não apenas o tributo mais espontâneo de solidariedade, mas um tipo de prestação, a curto ou longo prazo, da futura dívida a contrair junto à comunidade.

Os homens se aprestam em cumprir essa tarefa,  enquanto as mulheres vêm mais atrás, com flores e grinaldas. Como em tantas outras coisas, o machismo interiorano aqui se traveste de um cavalheirismo louvável. Nesse dia, os homens põem sua indumentária mais nobre, enquanto as mulheres se cobrem com a palidez do cinza ou tonalidade próxima, numa analogia profunda com o sentimento religioso da paixão, da dor. Aqueles (as) que a longevidade impede a locomoção debruçam-se por sobre os beirais das janelas, ou aguardam sentados em antigas cadeiras, à soleira da porta, perscrutando o sinal do embarque definitivo.

À medida que a procissão fúnebre andava, eram relembradas as longas asas com que a albatroz negra sobrevoava as calçadas da tão desgastada cidade. Muitos pés fizeram caminhada a partir dali, levantaram voo bem alto, mas poucos se lembraram de recuperá-la. As compridas canelas do conhecido TEMISTO trambicavam igual a urubu cangueiro acossado pelas baleadas da meninada. Dois metros e lá vai pedrada era a altura imponente daquela criatura imperial. Parecia relíquia da época áurea.

 O queixo atirado, beiço derreado pelo peso do imutável cigarro de palha, a dentuça transparecendo os resquícios da nicotina acumulada, lá se vai a ave duradoura do sertão, com seus quase noventa anos de idade, guardando a sete chaves o laço enigmático da intimidade.


Logo cedinho, Temístocles espreguiçava a última noite indormida, quando se dera a mais um  recital de poemas, entremeado de canções langorosas. Do bar de Noca ao de Dinô, segue aquele ritual diário de um copo aqui, uma garrafa ali. Sempre a insubstituível pinga da braba. Pitu ou Serra Grande. Seresteiro da noite, criara o hábito de longa data, quando maloqueirava pelos sítios Gato e Marrecas. A boemia sempre foi o atrativo indomável. Enrolara caboclas e mais caboclas desprevenidas, em noitadas de furdunço. Conseguira sair-se bem em meio a facadas, tiros de rompante, fugas mirabolantes. Era a peça indispensável em  qualquer farra, casamento, ou arruaça.

Atento a todo fato local, discutia da matéria literária, política à matéria filosófica. Sabia de cor versos e mais versos de Augusto dos Anjos, de Castro Alves. Recitava-os nos intervalos das canções lânguidas, sempre acompanhado de um violão. Não mudava os poetas nem as canções. Orestes Barbosa, Noel Rosa eram seus cancioneiros prediletos. Vicente Celestino só era invocado uma única vez na noite, quando os efeitos do álcool o deixavam além de suas expectativas.

O Temisto, vulgarmente conhecido, tornara-se um solteirão inveterado, após alguns anos de casado, e vários filhos espalhados entre várias mulheres. Efetivamente, só conhecia dois, aos quais respondia a bênção diária com o "Deus te abotoe". Era a figura apresentável à curiosidade de qualquer visitante. Na companhia do mocotó de porco, na discussão acalorada sobre política, na confidência do último crime praticado, ali estava o amigo e confessor profano, dando sua palavra sugestiva, com o olhar oblíquo. Nessas horas, não parecia o gigante físico que era. Dobrava-se cautelosamente até o confidente e acomodava os enormes braços nas pernas desengonçadas. Quem chegasse por perto sabia que se tratava de colóquio sigiloso. E assim arquivou, ano a ano, a delação de muitos fatos e crimes jamais suspeitos. Quando se tratava de zombaria ou piada imprópria, também se privava com uma única gargalhada desregrada, que se juntava à tosse pigarrenta e de escarro estridente.

Compensava, nesses gestos solidários, a solidão que construíra, tempos atrás, pelo descaso que proporcionara aos que lhe eram íntimos. Não culpara a vida nem ninguém, e se julgava de posse de um destino safado com quem brigaria até o fim. Vivia como se fosse uma espécie de inventário e pensamento crítico do arquivo temporal. E é chegado o momento de sujeitar-se ao julgamento da História. Era essa uma das reflexões feitas pelo último orador, no momento em que o ataúde descia as paredes sepulcrais. Temístocles havia encontrado na cidadezinha fecunda o prato feito para o seu gosto. Ali havia um celeiro de improvisados seresteiros. Cada um queria primar pela sua reputação. Mas o tempo foi passando, e cada seresta foi sepultando no esquecimento o seresteiro inautêntico. O epitáfio do campo santo, junto com o estribilho dos que o levaram à sepultura, volta às ruas da cidade, num coro uníssono: " O sertão homenageia seu pássaro seresteiro - Temístocles - albatroz negra que vagueia pelas madrugadas".

 Essa foi sua única ambição, seu maior desejo: nas caladas da noite, tornar-se assombração. (extraído do livro  do autor Faces & Interiores)