Ele se dirigia ao Ripitete e
de lá para casa na mesma hora e todas as manhãs. Cultivara o hábito de acordar
cedinho e atravessar o centro da cidade até o sítio-fazenda que há anos
construíra. Jamais se utilizou de bicicleta, cavalo ou automóvel. Uma caminhada
saudável todas as manhãs que lhe renderam mais de noventa anos de existência.
Esposo de Dona Lenita, teve muitos filhos - Renato, Wilson, Francis, Luís
Carlos, Diva, Jacira, Neide, além do agregado perpétuo Zé Doido - e deixou-lhes
como educação maior o modelo de vida ordeira, convivência amiga, sentido de
luta e garra diária.
Seu Vida, como é popularmente
conhecido, passou toda vida na entre-serras e altaneira Mata Grande, irmão de
João Vilar, também de prole numerosa. Sabe como ninguém o prazer do clima frio no
período invernoso, conhece o sabor das noites refrescantes na época do verão.
Viveu como tantos outros as consequências das secas duradouras, navegou e pôs a
salvo alguns náufragos das torrentes das águas, no período das trovoadas. O Sr.
Zé Macedo, seu vizinho fronteiriço, teve de desfazer-se dos móveis a que estava
agarrado para salvar-se numa dessas enxurradas que danificou todo o centro da
cidade, especialmente a rua de Baixo.
Um comerciante próspero na
pecuária, um micro-fazendeiro por natureza, e possuidor de comércio de tecidos
de excelente qualidade que funcionava na parte térrea do sobrado que edificara
e em que se instalara, ao lado do casarão do Seu Quinca Alencar, parentes da
Dona Lenita. Uma vida no anonimato. Nunca se interessou pelo exercício do poder
político, vivendo sua própria política de administrar a prole numerosa.
Assistiu no início com estarrecimento à destruição de famílias que se ultimaram
política, econômica e moralmente. Hoje veria ainda e com indiferença as facas
cortando corpos jovens por aborrecimentos os mais torpes, presenciaria a troca
de tiros em pleno calçamento da rua por motivos de defesa de partidarismos sem
objetivos.
No imaginário da memorial Mata
Grande, Seu Vida continua caminhando nas calçadas em que tantos mortos se atropelaram só pelo fato de
não terem optado por uma vereda de vida menos exacerbada. Preferiu em vida
viver o encantamento dos justos, inocente ao vozerio dos que se autoproclamam.
Guarda a certeza da missão cumprida. Seu Vida é um leitor do tempo e da
História de sua cidade. Sem discursos, sem falações demagógicas e importunas,
espelha a lição de que é preciso agir e trabalhar dignamente, lutar pela
obrigação e responsabilidade que assumiu perante o mundo.
Essa é a tônica que contrasta
nessa cidade premiada pela natureza, mas tão vulnerável pela especiosa ambição
de jovens e imaturos políticos que pensam abarcar o mundo da noite para o dia.
Do sobrado em que habita, acompanha paciente o cortejo fúnebre do amigo que se
vai, ouve atento os sinos da Matriz, acena comovido aos olhares dos mais jovens
e a eles se iguala na tentativa de diálogo. Esqueceu a maturidade das reflexões
e quer regressar à magia do sonho e fantasia.
Fazem falta uma parada no
tempo e o cuidado de se dar à escuta da lição de vida dos mais velhos, livros
abertos à compreensão dos reais valores da existência. Homens e mulheres que
estão nos deixando a proposta política mais convincente da existência: o prazer
de viver respeitando o direito de vida do outro. E é desta cidade do alto
sertão das Alagoas que com frequência acodem os piores motivos para sua
encenação pública. Como se gestos outros de brios e valor nunca tivessem
existido.
A nossa personagem em destaque
- Seu Vida - é um dos Vilar com ramos fincados na história econômica e social
de Mata Grande. Exemplo de trabalho e respeito que os seus quase cem anos lhe
tributaram. Deixou descendência e descendência.
Inclusive uma neta Denilma, agora notabilizada
pela ação silenciosa, pelo trabalho efetivo de ação social, pela força de sua
personalidade como mulher e de ação política - e a das mais limpas e dignas que
chegou a pôr os pés no Palácio dos
Martírios (Denilma Vilar Bulhões esteve casada com o ex-Governador Geraldo
Bulhões, em sua gestão como deputado federal e titular do Governo).
Denilma Vilar, Telma Bulhões,
Iran Malta, entre tantos, são netos do
patriarca Vida Vilar, que está continuamente passeando pelas altas calçadas da
senhorial cidade sertaneja, espelhando mais uma lição para a História de
Alagoas.
Ontem, como hoje, Seu Vida não tem pressa de
concluir seu testamento, que é o autêntico testemunho de vida deixado entre
seus pares, familiares e amigos conterrâneos. Deixa uma especial herança que
começa a fazer inveja a muita gente.
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