quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

HISTÓRIA DE CAPA GATO - José Ferreira da Silva







HISTÓRIAS DE CAPA GATO - Crônica de uma mudança de vida.

Por José Ferreira da Silva

O ano de 1969 foi um intervalo de tempo manifestamente atípico em minha vida, pelas mudanças inopinadas acontecidas. Para que se tenha uma ideia, o tempo decorrido entre a minha saída do Serviço de Extensão Rural e a posse no BNB, Fortaleza, foi de apenas 5 dias, uma mudança notoriamente drástica; na quinta feira pedi demissão da ANCAR, no domingo viajei de avião pela primeira vez (um quadrimotor da VASP, cujo barulho mais parecia o de um terremoto, ou mais precisamente de um tsunami); caprichosamente bem vestido (era assim que se viajava de avião naquela época), mais parecendo um magnata, foi assim que viajei. Consegui sobreviver, apesar de ter tido muito medo e de ter ficado "moco" durante uns três dias - foi uma experiência inesquecível, porquanto até hoje ainda me lembro de cada susto que passei naqueles momentos; compreensivelmente, o meu comportamento não poderia ser diferente do de um "marinheiro de primeira viagem". Sim, que fique bem claro isso, aquela foi a minha primeira viagem de avião. Confortava-me, no entanto, o convencimento de que estava passando por uma provação, tendo em vista as minhas dúvidas quanto aos meus merecimentos diante de Deus. Tudo aconteceu de repente, e o melhor ainda estava para vir. Na segunda feira tomei posse na Direção Geral, seguindo-se, após, um curso de 30 dias, e um estágio prático na Agência de Maceió sob a importante coordenação do colega ANANIAS RODRIGUES DE SOUZA NETO.

Depois disso, "entrei na real" com a minha nomeação para Agência de Mata Grande, a qual, por conhecidas perturbações administrativas que tivera, estava atravessando momentos dificílimos; era, portanto, uma das agências mais problemáticas, com um número assustador de operações irregulares.

Naquele tempo, com a classificação que obtivera no concurso, poderia ter sido nomeado para uma agência mais bem situada, por exemplo, Maceió, onde havia uma vaga; isso, no entanto, não aconteceu, tendo em vista o olhar dos Administradores que enxergava os interesses maiores do Banco como empresa, decisão da qual nunca discordei. Assim, considerando que a agência do BNB-Mata Grande, naquele momento não possuindo ninguém na área de fiscalização, indiscutivelmente apresentava-se como prioridade e aquele seria o momento de atender aquela premente demanda. Destarte, fui nomeado para Mata Grande sem nenhuma objeção de minha parte, pelo contrário, reconhecendo ser uma honra o nível de confiança em mim creditado. Seria ali, portanto, a obtenção de uma das maiores contribuições à minha formação profissional como técnico e como pessoa.

Mata Grande, situada na Região Serrana de Alagoas, de beleza notória e clima frio e gostoso, esperava-me para o cumprimento do meu desafio sem par. Para lá viajei em um caminhão carregado com a minha bagagem, saindo de Arapiraca (cidade da minha residência temporária) no início de uma noite memorável. Durante o percurso, quase cindo horas de viagem em estrada de barro, minha mente percorreu um universo composto de pensamentos ecléticos, mas pautados positivamente na minha vontade fazer o melhor. E assim, como diria Luiz de Camões, "viajei por mares nunca dantes navegados” em uma noite que arquivei no meu acervo de lembranças permanentes. E todas as minhas interrogações no mundo subjetivo da mente eram plausíveis, porquanto à minha frente postavam-se as incertezas.

Na novel situação, já nos primeiros dias, dar-se-ia a fixação da minha boa impressão sobre o ambiente de trabalho, notadamente o espírito de companheirismo dos novéis colegas. Apesar da minha condição de neófito, isso, determinante do meu comportamento de certo modo desconfiado, fui aos poucos conhecendo as pessoas e fazendo as minhas amizades. E assim imbuído das minhas convicções, inteirado, respeitando a clientela e o cidadão, consegui realizar o meu trabalho a contento à expectativa dos compromissos com o BNB. Muitas situações complicadas aconteceram comigo, algumas boas, outras, nem tanto, mas, graças a Deus, sempre nos limites das minhas possibilidades. Meus sentimentos e posições naqueles momentos singulares estariam perfeitamente enquadrados em um dos versos da mais famosa música de Almir Sater, TOCANDO EM FRENTE:

“Penso que cumprir a vida seja simplesmente

Compreender a marcha e ir tocando em frente

Como um velho boiadeiro levando a boiada

Eu vou tocando dias pela longa estrada eu vou

Estrada eu sou”.

O enfrentamento das primeiras missões não foi fácil, tendo em vista que eu, além de não possuir carro, não conhecia as pessoas e a região. Eis que, para minha felicidade, foi escolhido para andar comigo uma pessoa de alta qualificação pessoal, o qual, ao longo do tempo, provou ser merecedora da minha mais absoluta confiança. Sebastião Pereira de Oliveira, seu nome formal, ou "Véio Sé", como nós o chamávamos na intimidade, era cabra de fé, um homem com um "H" bem grande, à altura dos seus merecimentos. Entre tantos adjetivos inerentes às qualidades deste grande cidadão, destacaria: amigo, comedido e audaz. Enfim, andar com o "Véio Sé" (e o fiz durante quase dois anos), digo com toda convicção que me é permitida, era mais tranquilo do que andar com um exército de seguranças. Enfrentamos muitas situações de extremo risco, algumas, diferentemente, engraçadas.

E assim, focado na premissa de que o TEMPO PASSA, percorri a “longa estrada” que durou seis anos e meio, experimentei “o sabor das massas e das maçãs", fixei o entendimento de que: “é preciso amor para poder pulsar, é preciso paz para poder sorrir”, mas, para tudo isso, “é preciso a chuva para florir”.

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