terça-feira, 20 de junho de 2017

UM ROSTO NÃO CONFORMADO A UMA MENTE DIABÓLICA- Ubireval Alencar



UM ROSTO NÃO CONFORMADO A UMA MENTE DIABÓLICA

Ubireval Alencar

A expressão de um rosto, que hoje vive o confinamento de uma prisão, resultado de trinta e quatro assassinatos, todos eles com vítimas femininas. Tiago Henrique, o serial killer de Goiânia. Se não fosse tamanha a divulgação do famigerado assassino, certamente a Globo se reservaria o privilégio de ter no seu "staff" mais um rosto televisivo, para contracenar nos horários melosos das novelas.

Quase dois metros de corpo esguio, expressão cinematográfica no olhar, na ansiedade de uma entrevista a que se submetera e exibida na TV Record (Câmera Record), no último domingo passado (11.06.17). Um jovem no tempo (29 anos de idade), em vários momentos da entrevista deixa transparecer a dúvida sobre seu arrependimento, embora venha a confessar os crimes, ora em número de 28 ora 34, como se a quantidade nada mais acrescesse às suas torpezas. 

Durante a entrevista, psiquiatras em flashes intercalados de discussão se perguntavam sobre qual a razão de ser de o psiquismo viver essa anomalia do instinto de matar. O psico maníaco vinha se desenhando como psicopata. Não conhecia de antemão suas vítimas. Desconhecia seus estados civis de solteira, casada, ou livre. Alimentava o criminoso a virtualidade de escolhas aleatórias, como se as saboreasse em tons distintos. Nem prescindia de uma motivação por abandono sentimental, perda de emprego (ele tinha função empregatícia, era vigilante de uma transportadora), ou menos ainda por desavença atual ou remota com pessoas. 

Elas -  jovens ainda, aparência atraente, caminhando a esmo ou em horário de trabalho, desde que em hora solitária, e ausente de testemunhas. Como se fosse um filão do dia, na sua hora meditativa. Avistava-as num trajeto de moto, e tomava-se do impulso da escolha e decisão certeira: um tiro no rosto. Retirava-se de cena com a tranquilidade de uma entregador de jornais, ou cumprimento de uma mandado interior tresloucado.

Uma morosa investigação do "leitmotiv", do modo de andar do agente, e a repetição contínua de apenas um tiro deflagrado sobre a vítima, e de uma mesma arma utilizada. E como se permitiu que o feminicida chegasse à cifra alarmante de mais de trinta assassinatos? Um descalabro no extenso ordenamento jurídico. Pasmaceira e imperícia de uma frágil e dormente investigação. Como se compreender aberrante incúria policial, se todos os alvos alcançados eram de uma mesma cidade, de um mesmo território de coabitação do agente do crime?

"Ah, foi um moço que sofreu violência na infância, desconheceu a presença do pai, etc". Quantos nesses dias, meses e anos viveram o abandono de pais, desconheceram o carinho materno ou mesmo a afeição de rua! Ódios, condenações, bullying podem ser agentes momentâneos de desestruturação psíquica, mas não determinantes. Heróis e heroínas anônimos têm dado provas da capacidade de superação humana.

Esse rosto que fotografa e filma bem é a reserva psíquica de um desalinho da natureza humana. Guarda congênito uma patologia visceral. A fiação de neurônios e vasos comunicantes cerebrais causou-lhe tão grande desordem mental que somente aprofundados estudos da neuropsiquiatria poderão no futuro chegar a uma equação mais humanamente compreensível. 

O que mais causa estranhamento durante a entrevista é polidez da linguagem. Não é um ser tosco. Apieda-se dele à primeira vista, quem desconhece sua ficha criminal. Há uma indisfarçável bonomia representada e sem pressa de que algo maior venha a descortinar-se, na extensa lista de crimes perpetrados. Estava ali presente como se testemunha fosse dos próprios atos. Um narciso que se contempla ao espelho da vaidade doentia. De olhar ponderado, continha-se em segurar um instintivo riso satânico. 

Cumulado por tantos crimes, dificilmente se poderia imaginar que o sentimento maior do amor jamais afloraria nessa máscara de ser pertencente aos humanos. Mas qualquer garota que ligasse a TV, nesse exato momento em que uma voz branda e maleável se ouvia, por ele se atrairia. O assassino deve ter tido um laivo de consciência desse trunfo, e desse modo personalizou-se na sua hediondez. Assim deve ter acontecido igualmente no momento da abordagem dele, uma a uma... e elas o olharam sob o prisma de um beijo mortal. 



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