sexta-feira, 19 de maio de 2017

TITANIC - Ubireval Alencar



T I T A N I C   -  o resgate de um sentimento versus  destroços de uma pompa                                                      

                                                             Ubireval  Alencar                                                                                                       

Após fabuloso sucesso de bilheteria, há quase duas décadas, sem igual, o genial criador, roteirista e produtor cinematográfico, com bacharelado em Física e também estudioso de Filosofia, James Francis Cameron ainda desfruta os louros com essa obra cinematográfica, que veio cultuar o espaço da arte da filmografia como dos mais atuais e cuja estética da recepção é a das mais convincentes. Seu potencial criador se repeteria em sucessos posteriores como O exterminador do futuro, Avatar entre outros.


O filme Titanic (1997) traduziu com arte, a arte da narração da personagem sobrevivente (Rose /Kate Winslet, nova, e Rose/ Gloria Stuart, idosa)   num flash back emocionante, toda expressão da gratuidade do sentimento, do despertar de uma paixão, aliado ao sentimento do trágico, que é o naufrágio do navio. É, conjuntamente, o amálgama de narrativa, romance, drama e tragédia. Além da beleza plástica da fotografia e musicalidade. Afinal, o mais caro longa-metragem norte-americano, com orçamento de 200 milhões de dólares, e cuja bilheteria atingiu 2,1 bilhões de dólares.
Como expressão de uma ideia e de uma forma estética, a primeira está na leitura crítica do resgate histórico do objeto transatlântico, aparentemente indestrutível, em sua primeira e inaugural viagem, mas humanamente negligenciado em seu gerenciamento (número incompleto de barcos e salva-vidas), além da pretensão de antecipar a chegada a seu destino, antes do previsto. Em todos os momentos, cuidados e disciplina ainda a vaidade humana preponderava sobre o bem comum.


Como obra cinematográfica, o Titanic é expressão da forma estética. Uma narradora sobrevivente e personagem central de um romance iniciado nos bastidores do navio tece a narrativa numa recontagem regressiva do apogeu, fausto, suntuosidade do navio inaugural. O pretenso noivo, dentro do triângulo amoroso da narrativa, é a figuração da riqueza e imponência do transatlântico. O amor não estaria na medida dessas riquezas.


Submersa a pretensão do rico candidado, submerge o navio dos sonhos e acordos de casamento em família. Aflora a condição do apaixonado, amante extemporâneo, convivendo momentaneamente o trágico e o proibido. Ele é a transgressão do social, viajor intruso, sorteado de última hora e acidental, que burla o estabelecido, e da elite que ocupava a primeira classe.
No Titanic, como obra de arte do cinema, naufragou a pompa, a ambiciosa pretensão humana de ultrapassar todos os limites de segurança, conforto e luxo. Mas foram salvos a expressão da forma de sentir, a capacidade de transmitir uma emoção clicada no momento de seu encantamento, o desejo escondido de um apaixonado à espera do outro. A morte do protagonista Jack Dawson (Leonardo Di Caprio) era inevitável, dentro da visão da tragédia, pois transgredira todas as regras que limitavam o herói mítico. A hybris da sua paixão ultrapassou a medianidade da condição dos homens, e alguém teria que morrer para salvar o amor, objeto eternamente platônico.


Um último fato da narrativa cinematográfica que sobrepõe a riqueza estética do filme aparece com a  simbologia do colar de diamantes, objeto de desejo material, único, busca e resgate no tempo atual de uma expedição, e concomitantemente responsório e guarda de uma pretensão frustrada, e que é subreptícia e inesperadamente devolvido ao mar pela personagem sobrevivente, e que silenciosamente o guardara consigo todos esses anos. Esse belo recurso técnico, estilístico e plástico redundou  num afundamento/naufrágio da inútil comparação do amor com as possibilidades de riquezas materiais. Submergido e naufragado o essencial (o apaixonado/amante), não há porque guardar as aparências. O essencial aos olhos, o sentimento e amor vividos pela personagem sobrevivente não era objeto da expedição que chegou a comemorar o resgate do cofre onde possivelmente estaria o sonhado medalhão (diamante). 
  

A heroína, agora também narradora devolve ao fundo do oceano todas as vaidades e riquezas humanas simbolizadas pelo colar de diamantes, que não era sua específica temática de vida. Deu-se o resgate de um sentimento, de uma paixão, opondo-se ao malogro de um desejo de pompa, atitudes soberbas. A personagem Rose contextualiza o sentido carnavalesco de desmonte e desestruturação do mundo aristocrático. Desce da primeira à terceira classe do navio, e lá dança, convive, e atualiza o que Mikhail Bakhtin denominou mésalliance, a junção dos desiguais.  Salvou-se também com a heroína a condição de autora, narradora e personagem de um sentimento que a poucos é dado conviver. Esta é a grande beleza da obra de arte narrativa, bem urdida pela inventividade criadora de James F. Cameron, através do cinema. Agora também em 3D, e com a revisitação/reconstrução de uma réplica do navio, brevemente a ser inaugurado e com todos os espaços vendidos, num anseio trágico presente à natureza humana.


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