quarta-feira, 29 de março de 2017

EDINETE ALENCAR GUIMARÃES - Ubireval Alencar








EDINETE ALENCAR GUIMARÃES  -  UMA MULHER DE CORAGEM, UMA SENHORA DE VIDA EDIFICANTE -Ubireval Alencar.



 Foto da comemoração dos 80 anos. Faleceu aos 93 anos e um mês de idade (1916 - 2009).

No dia de hoje, 29 de março, Edinete completaria cento e um anos. Viveu suficiente na criação, formação e educação dos filhos. Aspirou o mais alto na construção da família. Ensinou-nos com sua prática de vida o amor ao trabalho, o gosto pelos livros e pela literatura. Foi mãe e mestra.

Edinete não teve tempo de acompanhar a escolaridade que só muito tarde chegou a Mata Grande. Bebeu diretamente na leitura de romances o aprendizado da criação textual e gosto refinado pela linguagem. 

Sabia de cor várias passagens literárias dos romances de José de Alencar e Machado de Assis, e nos recitava findo o jantar, antes mesmo de a energia ter chegado a nossas casas. Meu avô materno, Joaquim Aureliano de Alencar (seu Quinca), que é oriundo do Ceará, sempre o vi com livro aberto sobre o balcão da mercearia na rua de Baixo, onde hoje o imóvel está alocado ao Banco do Brasil.

Edinete em um ano, pós sessenta anos de idade, conseguiu ler toda Bíblia, durante as noites, sob a luz elétrica, ou na sua falta com a lamparina acesa. O melhor é que retinha de memória várias passagens bíblicas com questionamentos exemplares com padres e pastores.

Uma mulher de propósitos e os cumpria. Abraçou como esposo um homem mestiço cuja raiz paterna é de origem negra. Mas do sogro jamais viu ou nos relatou arbitrariedades ou deslizes de conduta privada ou pública. O filho José Veríssimo (Zequinha) foi o esteio e patrocinador de formaturas das sobrinhas, sempre as presenteando com o famoso "anel de formatura". O vovô era chamado na intimidade pelos netos de Pai Veríssimo, tamanho era o sorriso gratuito e afetuoso. Dele não se via mau humor ou desatenção a qualquer outro ser humano, no atendimento do armazém de cereais, objeto de negócios entre pai e filho. Essa fina genealogia nos dá muito orgulho.

Em vida, Edinete passou as dores já recorrentes a muitas mães com  as antigas estradas de barro. O filho do meio, Ubirandir (Dido) teve a vida ceifada num acidente de carro no retorno Delmiro a Mata Grande. Anos depois, Zequinha Veríssimo viria a falecer com sequelas de próstata. Restam cinco filhos e inúmeros netos e bisnetos. A cada reencontro dos irmãos, sempre temos o cuidado de recontar para ver se algum está faltando.

Sentimo-nos honrados por termos tido uma presença materna marcante e edificante. Edinete não chegou a ver o filho "padre", sua grande aspiração religiosa. Mas contemplou agradecida aos céus a prole numerosa de netos e bisnetos chegando, ano a ano.

Deixou amigas e vizinhança, sendo prestativa no auxílio de mantimentos a pessoas carentes e que lhe faziam préstimos do lavado de roupas, passadeiras, e torradeiras de café. O café sempre foi fruto do próprio sítio, no casarão do Alto. Todo tempo que ali viveu nunca precisou comprar café fora. Ali foram plantados e produzidos, ano a ano, e torrados em tacho de cobre. 

Como devota fiel da Virgem da Conceição, Edinete cedeu terreno do sítio para elevação da Capela de Nossa Senhora do Rosário lá construída e emoldurada na subida do Alto da Rua do João Felix. Ao neo-sacerdote, padre Sizino Alencar, Edinete teve o prazer de ofertar-lhe o CÁLICE da ordenação sacerdotal e celebração de sua primeira missa, numa sublimação do cálice que o próprio filho elevaria em sagração. (Mas eu pude, todavia, sorver outros cálices de alegrias e sofrimentos, como personagem desse mundo de contradições humanas).

Os irmãos Ubiratan, Ubireval, Ubiracyr, Cleide, Maria José nos congratulamos com a rememoração do dia do nascimento de Edinete Alencar Guimarães (29 de março de 1916). Nenhum outro ser humano nos teria legado esse carisma impresso em nossas almas, e inscrito como tábuas mandamentais em nossos corações. Privamos e gozamos da saudade, mais do que nunca real, composta agora numa AUSÊNCIA, que nos é contínua PRESENÇA.

segunda-feira, 27 de março de 2017

IVONE BARBOSA - Ubireval Alencar










IVONE BARBOSA - ÚLTIMO CANTO DA COTOVIA   -   Ubireval Alencar



"ALÔ, COTOVIA!
AONDE VOASTE?
POR ONDE ANDASTE?
QUE SAUDADES ME DEIXASTE?"
(Manuel Bandeira, poeta).

Ela nasceu cotovia. Tinha na sua genética o canto como alimento e sobrevivência. Bem antes que sua família-coral despontasse, Ivone já prenunciava o canto, e o entoava nas manhas de afazeres domésticos, no casarão comprido do seu Antônio Barbosa/Dona Dalva, lá na rua da Cruz. Lá do Alto, tínhamos a vista de todos os alpendres das casas voltadas para as ribanceiras ainda não habitadas/construídas.

E era nessas manhãs de férias do Colégio que eu aprendi a ouvir as canções ensaiadas pela Ivone. Uma família de afinados cantores (bem depois é que ganhariam notoriedade José Adalto, Ivan, Adeilton, e o cantor reputado nacionalmente Beto Barbosa).

Em meio a tantas canções, sempre com os acordes do tema AMOR, Ivone não omitia sua canção-tema referida: 

"Hoje que a noite está calma
E que minha alma esperava por ti
Apareceste afinal, 
Torturando esse ser que te adora
Volta, fica comigo..."

Era a imagem viva da eterna e sonhadora cotovia nas manhãs suaves e frias de Mata Grande. Os demais irmãos devem ter despertado para a musicalidade a partir desses prenúncios cantantes.

Mas os anos a avançaram, e cada cantor na Família Barbosa foi escolhendo seus espaços e constituindo famílias novas. Ivone se casa com Antônio Gonzaga e concebe três filhos: Yteógenes, Airton, Aline. O coração largo de mãe não se dá por contente. Pertencia a uma verdadeira dinastia, de numerosos e incontáveis irmãos. Graciele e João Paulo são os filhos do coração estendido. Chegou a ver a felicidade dos netos Adriele, Danilo, Yuri e Yasmin.

Como bem acentuou o poeta pernambucano, 
"Aonde voaste... ( e quantas  Saudades (nos) deixaste?"

Ivone compunha a vida no sentimento. Dele se alimentava e, como espasmos frutíferos, servia de condimentos a todos os revezes ou torpezas que a vida infausta lhe desferia. Mas dores continuadas e silêncios amargos do abandono e desprezo lhe tributaram o primeiro infarto. Mais um derrame lhe deixou sequelas irrecuperáveis. O coração e os olhos não deixaram de cantarolar o amor, o perpétuo desejo de uma vida feliz. E assim assobiou suas melodias até seu último canto.

Nesse momento, Ivone já integra o Coral dos Serafins, entoando Hosanas ao Filho de Davi. Viveu na terra a Cotovia de paz, a mulher, mãe e avó extremada. Recebe nas alturas a coroa dos justos e seu galardão. Com certeza harpas e cornetas angelicais a receberam na  eternidade dos grandes amantes da terra. 

terça-feira, 14 de março de 2017

DUMOURIEZ - O AMOROSO - Ubireval Alencar









DUMOURIEZ - O AMOROSO ( Ubireval Alencar)

Uma família de prósperos pecuaristas de Major Isidoro (antigo Sertãozinho), Sr. Antônio Ildefonso Silva Amaral e D. Etelvina Monteiro, fecundaram os filhos Expedito, Duda, Vera, Antônio e Dumouriez. O moço de privilegiada inteligência nascia (04.06.1912) para contemplar as verdades filosóficas e sobre elas debruçar-se por toda sua vida. Sacerdotes intuitivos da prelazia logo encaminharam Dumouriez para estudos secundários no Seminário da Imaculada Conceição, Várzea, Recife-Pe. Findo o segundo grau, todo seminarista naquela época teria que cursar dois anos de filosofia e mais quatro anos de teologia. 

O precoce estudante é escolhido para estudar sequencialmente em duas universidades da Europa, onde as aulas eram ministradas exclusivamente em latim, uma vez que o latim era língua oficial durante a missa e havia também estudantes de outros países aí concorrendo. Por isso, somente candidatos de inteligência privilegiada eram selecionados às universidades no exterior. Segundo Sebastiãozinho, e apontamentos de Florinha,  de acordo com relatos de seu pai,  Dumouriez segue em 1929 para o Seminário Superior de Aix, em Provence, França, em cuja língua Dumouriez já se comunicava, além do espanhol, latim e estudos do grego. De  1931 a 1935 transfere-se para a conhecida Universidade Gregoriana, em Roma, onde cursa Teologia Dogmática.  Todos os passos foram galgados pelo estudioso seminarista e, aos vinte e três anos de idade, mediante autorização especial da Santa Sé, o filho de Major Isidoro complementa seus estudos de filosofia e teologia dogmática, sendo ordenado sacerdote no viço da idade (28.10.1935), consagração e celebração da primeira missa sacerdotal em Roma.

Mata Grande teve o privilégio de acolhê-lo, já habituado ao frio europeu, por ser clima mais agradável. O brilhantismo e argumentação de ideias, objetivando a formação cristã, logo causa fama e interesse dos paroquianos (as) mais atentos ao novo vigário. As famílias matagrandenses sempre foram de notório sentimento cristão, e por vezes recheado de sentimentalismo religioso como culto e devoção a  imagens, títulos de irmandades, procissões, estereótipos desnecessários à adoração de um Senhor e Deus.

Como em toda agremiação/associação afim, havia predominantemente moças e grande número de  senhoras dedicadas aos serviços da igreja, leais colaboradoras da paróquia, que até recebiam epítetos de "beatas". Dentre elas, Maria de Lourdes Malta, uma das filhas do segundo casamento de João Gomes Malta de Sá com Manuela Albuquerque (tia Nelinha), assim relembrados: Zoraide, Homero, Carminha, Rosalva, Aída, João Malta (Jari), Célia e Gerusa. Havia outros irmãos por parte de pai de casamento anterior (e foram duas irmãs sucessivamente casadas com o mesmo João Gomes Malta Sá): Antonino, Gentil, Mariquita, Eustáquio e Deusdete. Uma linda geração, mas que imbróglio  mais tarde daria!

A jovem Maria de Lourdes era das mais piedosas e assíduas aos ritos religiosos da paróquia. Compenetra-se da fé no desejo de servir mais próxima ao novo e atraente  sacerdote, cuja visão atingiria mais longe os desígnios de Deus. E o belo sacerdote termina por compreender que o amor a Deus também poderia se realizar dentro da vivência de uma família. A jovem devota sucumbe aos ensinamentos, deixa-se encantar pelo homem e padre que viria a constituir parte íntima de sua família. Um escândalo na época (e "moça de família"), assim diziam os simplórios e de línguas ferinas. E o amor humano que se pode conjugar ao amor divino frutificou, calou línguas endiabradas até entre familiares, e os novos amantes/parceiros vieram a dar testemunho ao mundo de que os céus escrevem certo por linhas aparentemente tortas.

O inteligente sacerdote e agora esposo logo se desincompatibiliza dos encargos e funções sacerdotais, presta concurso público para Oficial do Registro Civil, passando a exercer suas atividades em Mata Grande, num casarão defronte à Matriz. Mas o novo casal jamais renunciaria à fé, aos princípios elevados em que se formara.  Vivendo a nova atmosfera de "pombinhos", sempre dando "Graças a Deus", um refrão que consagraria toda vida o nobre sacerdote e companheiro. Dessa singular união vieram ao mundo Sebastião, José Jorge e César. 

O inquieto e competente homem público logo investe na carreira jurídica, e já bacharel em Direito presta novo concurso público, vindo a exercer a Magistratura no Estado até sua aposentadoria. D. Lourdes não apenas esposou um homem de fé, um cidadão de competência em Ofícios Públicos, mas ganhou o melhor do ser humano: a nobreza de uma vida a dois, o olhar benfazejo, a retidão em todos os passos de vida particular e pública. Dumouriez fazia um bem enorme aos que se lhe achegavam. - "Está bem você? Graças a Deus". Era seu bordão de amizade, de início e fim de conversa. E demoraram-se anos, com filhos já crescidos, para que um pedido de licença especial de casamento que Dumouriez havia requerido à Santa Sé fosse deliberado. Na cidade de Palmeira dos Índios, já no exercício do cargo de Juiz em comarca próxima, o casal recebe as bênçãos nupciais concelebrando um encontro, um desejo e uma realização sonhada. 

Tive a honra de privar da amizade com Dr. Dumouriez, em raros e curtos encontros, e cada vez mais me certificava da luminosidade da inteligência, do selo do eterno sacerdote ("Tu es sacerdos in aeternum") cujo carisma jamais iria desaparecer. Mas é chegado o OUTONO DO PATRIARCA, sendo pai e avô, e como todo rejuvenescer da idade maior, nos intervalos de vigilância e cuidados de D. Lourdes (sobretudo vivendo em Maceió e com ocupações dela no Cartório em Mata Grande), uma agradável secretária do lar em Maceió concebe mais um filho -  Antônio, alto como o pai, que trouxe consigo o carimbo da elegância paterna, de olhar alongado sobre as pessoas. Pós turbilhão inicial, o garoto foi recebido e acolhido pela família, hoje um jovem pré-universitário.

Há pessoas que vêm a esse mundo para deixar registros modelares, quebrar preconceitos e nos ensinar que a vida é o bem e valor que cada um lhe concebe. Está aí. Uma geração de filhos que tiveram incursões na política, Sebastião (vereador) Jose Jorge (vereador, prefeito), Cesar (deputado em mais de uma legislatura). Samyr Malta, neto de Dumouriez, retoma os passos da família, e se elege pela segunda vez, agora com pleito em Maceió (2016).

Esse é o preito de gratidão ao homem, ao sacerdote e magistrado, e pai de família, sobretudo. Num último colóquio que tivemos em Maceió, eu lhe antecipara a inspiração do título da crônica que faria (DUMOURIEZ - O AMOROSO), e ele me pedira que desse tempo ao tempo, julgando-se fragilizado ante as intempéries da existência. Que nota relevante da humildade dos grandes homens, abstendo-se da louvação enquanto vivo. Tive, por fim,  a primazia de ter sido batizado e ungido por suas mãos na pia batismal de Mata Grande, nos idos de 1944. Trago, agora, em "BANDEJA DO TEMPO" a promessa que lhe fizera ainda em vida.