sábado, 9 de julho de 2016

PEDRO FERREIRA VILLAR - Ubireval Alencar











Ele se dirigia ao Ripitete e de lá para casa na mesma hora e todas as manhãs. Cultivara o hábito de acordar cedinho e atravessar o centro da cidade até o sítio-fazenda que há anos construíra. Jamais se utilizou de bicicleta, cavalo ou automóvel. Uma caminhada saudável todas as manhãs que lhe renderam mais de noventa anos de existência. Esposo de Dona Lenita, teve muitos filhos - Renato, Wilson, Francis, Luís Carlos, Diva, Jacira, Neide, além do agregado perpétuo Zé Doido - e deixou-lhes como educação maior o modelo de vida ordeira, convivência amiga, sentido de luta e garra diária.

Seu Vida, como é popularmente conhecido, passou toda vida na entre-serras e altaneira Mata Grande, irmão de João Vilar, também de prole numerosa. Sabe como ninguém o prazer do clima frio no período invernoso, conhece o sabor das noites refrescantes na época do verão. Viveu como tantos outros as consequências das secas duradouras, navegou e pôs a salvo alguns náufragos das torrentes das águas, no período das trovoadas. O Sr. Zé Macedo, seu vizinho fronteiriço, teve de desfazer-se dos móveis a que estava agarrado para salvar-se numa dessas enxurradas que danificou todo o centro da cidade, especialmente a rua de Baixo.

Um comerciante próspero na pecuária, um micro-fazendeiro por natureza, e possuidor de comércio de tecidos de excelente qualidade que funcionava na parte térrea do sobrado que edificara e em que se instalara, ao lado do casarão do Seu Quinca Alencar, parentes da Dona Lenita. Uma vida no anonimato. Nunca se interessou pelo exercício do poder político, vivendo sua própria política de administrar a prole numerosa. Assistiu no início com estarrecimento à destruição de famílias que se ultimaram política, econômica e moralmente. Hoje veria ainda e com indiferença as facas cortando corpos jovens por aborrecimentos os mais torpes, presenciaria a troca de tiros em pleno calçamento da rua por motivos de defesa de partidarismos sem objetivos.

No imaginário da memorial Mata Grande, Seu Vida continua caminhando nas calçadas em que  tantos mortos se atropelaram só pelo fato de não terem optado por uma vereda de vida menos exacerbada. Preferiu em vida viver o encantamento dos justos, inocente ao vozerio dos que se autoproclamam. Guarda a certeza da missão cumprida. Seu Vida é um leitor do tempo e da História de sua cidade. Sem discursos, sem falações demagógicas e importunas, espelha a lição de que é preciso agir e trabalhar dignamente, lutar pela obrigação e responsabilidade que assumiu perante o mundo.

Essa é a tônica que contrasta nessa cidade premiada pela natureza, mas tão vulnerável pela especiosa ambição de jovens e imaturos políticos que pensam abarcar o mundo da noite para o dia. Do sobrado em que habita, acompanha paciente o cortejo fúnebre do amigo que se vai, ouve atento os sinos da Matriz, acena comovido aos olhares dos mais jovens e a eles se iguala na tentativa de diálogo. Esqueceu a maturidade das reflexões e quer regressar à magia do sonho e fantasia.

Fazem falta uma parada no tempo e o cuidado de se dar à escuta da lição de vida dos mais velhos, livros abertos à compreensão dos reais valores da existência. Homens e mulheres que estão nos deixando a proposta política mais convincente da existência: o prazer de viver respeitando o direito de vida do outro. E é desta cidade do alto sertão das Alagoas que com frequência acodem os piores motivos para sua encenação pública. Como se gestos outros de brios e valor nunca tivessem existido.

A nossa personagem em destaque - Seu Vida - é um dos Vilar com ramos fincados na história econômica e social de Mata Grande. Exemplo de trabalho e respeito que os seus quase cem anos lhe tributaram. Deixou descendência e descendência.

 Inclusive uma neta Denilma, agora notabilizada pela ação silenciosa, pelo trabalho efetivo de ação social, pela força de sua personalidade como mulher e de ação política - e a das mais limpas e dignas que chegou a pôr os pés  no Palácio dos Martírios (Denilma Vilar Bulhões esteve casada com o ex-Governador Geraldo Bulhões, em sua gestão como deputado federal e titular do Governo).

Denilma Vilar, Telma Bulhões, Iran Malta, entre tantos,  são netos do patriarca Vida Vilar, que está continuamente passeando pelas altas calçadas da senhorial cidade sertaneja, espelhando mais uma lição para a História de Alagoas.

 Ontem, como hoje, Seu Vida não tem pressa de concluir seu testamento, que é o autêntico testemunho de vida deixado entre seus pares, familiares e amigos conterrâneos. Deixa uma especial herança que começa a fazer inveja a muita gente.













   








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