sexta-feira, 27 de maio de 2016

A OUTRA ( A AMANTE) - UM SER LIBERTÁRIO - Ubireval Alencar




A Outra (a Amante) - um ser libertário

                                                                                                                                                                Ubireval Alencar





"Sonhe com o que você quiser. Vá para onde você queira ir.

Seja o que você quer ser, porque você possui apenas uma vida e nela só temos uma chance de fazer aquilo que queremos.

Tenha felicidade bastante para fazê-la doce. Dificuldades para fazê-la forte. Tristeza para fazê-la humana. Eesperança suficiente para fazê-la feliz."

(Escritora Clarice Lispector)



Esse texto da escritora Clarice Lispector  é um bom motivo para representação dessa figura ímpar – a Outra, a Amante , imputável concomitantemente a ele, o Outro, o Amante – como projeto individual de uma existência atuante. A coisa poderia parecer simplória, se comparada a questões dogmáticas, preconceituosas, ou tabus que em público nenhuma mulher aceitaria discutir.

O raciocínio ora esboçado parte não dos fatídicos modos e empregos versados na net, nos papos virtuais. Nessa configuração, são bem humorados os homens que latentemente sabem, imaginam que Ela-amante estaria naquele horário, naquelas horas mais críticas – os intervalos de almoço e os finais de tarde. Ganham até um paisagismo incomparável a feitura e criatividade dos nicks em  que os digitadores se personificam: casado[sic] sozinho; casado em casa; casado sem ela; casado mas livre; casado de férias; homem sem dona; casado mas quer

E por aí derivam os debochados com linguagens chulas, desabonadoras da boa conversação e amizade que a net certamente faculta aos usuários.

Mas o veio, fluxo principal dessa argumentação não está na virtualidade, a possibilidade de, a conquista virtual, mas na inteireza psicológica daquela que não mais pretende ou deseja viver as formalidades sociais de casamento, concubinato, ou junções de talheres e roupas. A Outra, Amante, vem-se desenhando como a mulher inteiramente independente, econômica, financeira e moralmente, mas que se impõe como ser concreto, com experiência de vida afetiva, mas deslanchada dos arreios tradicionais, conformações e desvinculada de clichês pragmáticos.

Ela ama, dá-se, sem a cobrança de horários; espera, aguarda a hora mais delicada do dia sem o comprometimento arriscado do visitante; sabe compreender a ausência sem explicação de uma promessa das cinco da tarde. Ela é expectativa, faz-se surpresa com a chegada em atraso. A Outra quer ser a instância de paz, o momento de refrigério e compreensão para o Amante aturdido de tarefas e compromissos, e com amores já definidos e família constituída. A preservação do status quo é sua maior legitimidade.

A Amante conhece os instantes em que terá que aguardar as migalhas da mesa do prazer e que com certeza sobram pela contingência da má ingestão num casamento em desalinho. Mas sem que ela se torne o depósito dos maus feitos ou choradeira como se fosse o desaguadouro de cornos do passado dele. Daí a extrema necessidade de ela ser só. Livre de vínculos jurídicos, afeita à tomada de consciência de que o ser visitante, amado, terá que retornar melhor, mais carinhoso e amigo dos seus preestabelecidos.

Com esse nascente/antigo estatuto, a Outra desenha seu traçado de escolhas que mais condigam com seu caráter, suas afeições e feições, seu intimorato modo de viver.

Sabe que não pretende concorrer ou interromper qualquer tipo de relacionamento anterior daquele a quem se afeiçoou, ou por quem foi conquistada. Ausente de punições ou culpas, vive a harmonia do ser libertário, consciente de que a vida é uma só e somente a ela cabe as decisões do traçado de si própria. Só os candidatos virtuosos lhe cairão na bandeja das pretensões. Ficam terminantemente excluídas as taras de sexo mecânico, coberturas do que não tem o que fazer, ou doentios da propagação da difamação ou reputação em ambiente de trabalho.

Por isso a mulher, Amante, a Outra  não tem  pátria. Ela pousa onde o amor a encanta; ela vive das emoções, da sensação de saber-se desejada, e espera  dias, meses, anos sem fim. Porque  vive o compasso da espera, enquanto tem a certeza de que um olhar a cobrirá de satisfação, um abraço reviverá todas as instâncias e carências antes deglutidas. Se ele promete vir às cinco horas, já dizia analogamente a personagem raposa ao Pequeno Príncipe, então desde as quatro horas ela, amante, já se sentirá feliz.  Na verdade, ela sabe o prenúncio do cio das horas, na aquilatação do ser mulher .Nesse sentido ela é de extrema autenticidade, porque desconhece o ser promíscuo, a mulher devassa. Há nela o mesmo sentido de fidelidade que mantém a esposa, sendo ou não correspondida. No interior da Amante só cabe uma certeza – viver a gravidez e gestação de um afeto cujo prazo limite para nascimento é pendular. Ela oscila de um momento a outro, na aceitação das vicissitudes do amado, com suas fragilidades, inconstâncias e endividamentos anteriores. Ela existe? Só os condignos desse conluio  amoroso é que poderão ratificar ou contestar.














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