domingo, 27 de dezembro de 2015

MALDITO O HOMEM QUE CONFIA NO HOMEM- Joelder Pinheiro


“Maldito o homem que confia no homem”

Seminarista Joelder Pinheiro Correia de Oliveira

 

            De modo preliminar, vale ressaltar que não intencionamos fazer uma análise teológica deste versículo bíblico de Jeremias 17, 5, mas propomos uma reflexão antropológica da condição existencial do homem que está em constante relação com o seu semelhante.

            O homem não é uma ilha encerrada em si mesma, não é uma solidão carcerária e sombria, não é um grão de areia no meio do nada. O homem é relação, é abertura ao mundo e saída de si, do seu eu, para encontrar com o outro, numa relação não de desfiguração, mas de complementaridade. Deste modo, a identidade particularizadora do ser se afirma e reafirma na diversidade do outro, vislumbrando no semelhante aquilo que lhe falta.

              Ao se reconhecer e se afirmar enquanto uma identidade pessoal, o homem será capaz de sair de si mesmo com segurança e coerência para ir ao encontro do seu semelhante. É sobre esta saída de si que trataremos. De imediato podemos nos perguntar: se o homem é um ser relacional, por que ele é “maldito” ao confiar no outro? Não deve haver, portanto, confiança nas relações humanas? Veremos adiante.

            Poderíamos procurar diversas explicações filosóficas, sociológicas, históricas ou, quiçá, teológicas para dar respostas plausíveis, entretanto, acreditamos que a própria experiência, como mestra e pedagoga elevada, pode responder categoricamente. Vale ressaltar que maldita não é a confiança, esta é uma capacidade nobre da pessoa.

Existem muitas pessoas com feridas enormes e dolorosas causadas pela confiança depositada em outrem. Nas diversas esferas das relações humanas a confiança pode ser transformada na espada que trespassará a alma. É o que se constata no fim de matrimônios feridos pela traição, nas amizades findadas pela falsidade e indiferença, nos negócios relegados à trapaça, na dissolução de vínculos familiares pela ambição e avareza e etc.

            Em outras palavras, nenhum ser humano é tão perfeito a ponto de nunca falhar, ninguém é tão pronto a ponto de nunca precisar repensar e se corrigir. O homem caminha sempre entre o ‘seu ser’ (aqui e agora) e o que ‘deve ser’ (o ser que almeja), num caminho ascendente de perfeição pessoal que não alcançará de modo pleno na terra. Como as relações sempre acontecem no presente, elas sempre estarão sujeitas à decepção porque o homem ainda está em caminho. Contudo, mesmo o homem estando em ‘construção’, suas falhas não se justificam a si mesmas, a ponto de se pensar que é assim mesmo e pronto! Deve-se lutar contra elas e superá-las para o próprio bem e para o bem dos outros.

            Partindo desses pontos, ousamos fazer uma releitura do versículo: maldito não é somente o homem que confia no outro, mas, muito mais maldito é aquele que fere a confiança de alguém, que joga na lama uma capacidade tão nobre, que escarnece de tão profunda atitude. Sendo assim, a maldição não consiste em confiar nas lutas pela coerência de vida, pelo desejo de mudança, pela busca da fidelidade, pela verdade das atitudes ou pela nobreza das ações que estão presentes no ser humano, mas consiste – a maldição – em querer confiar, quase que cegamente, na fantasia de que as pessoas são infalíveis, que se bastam e que as tendo ao seu lado não se precisa de mais nada, nem de Deus.

            Por fim, como se constatou, grande é o risco de decepção ao confiar em alguém, contudo, a confiança é primordial para a construção das relações humanas, confiando não na infalibilidade do ser humano, mas na sua sincera e coerente busca pelo bem para si mesmo e para o outro, por meio de uma vida virtuosa, íntegra e idônea.

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